Com ampla divergência dos resultados de institutos como o Datafolha e o Ipec, pesquisas de intenção de voto contestadas por especialistas são abraçadas por bolsonaristas na reta final da campanha e ajudam a construir diferentes narrativas.
Ao lado do apelidado “Datapovo”, os levantamentos que dão vantagem para Jair Bolsonaro (PL) frente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alimentam a ideia de vitória no primeiro turno, refutam pesquisas tradicionais e, em última instância, podem servir de comprovação para o discurso golpista que deslegitima o eleitoral, caso o atual presidente seja derrotado.
Levantamento da Brasmarket Análise e Investigação de Mercado divulgado na sexta (30), por exemplo, mostra o presidente liderando com folga a corrida eleitoral, com 45,4% das intenções de voto no cenário estimulado. O Lula aparece com 30,9%.
Pelo último Datafolha, divulgado na quinta (29), é Lula quem lidera, com 48% -14 pontos à frente dos 34% de Bolsonaro na pesquisa estimulada. O Datafolha pertence à Empresa Folha da Manhã, que edita a Folha.
Desde agosto a Brasmarket mostra Bolsonaro à frente do petista, numa série de pesquisas registradas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Procurado, o sócio da Brasmarket José Carlos Nogueira Cademartori afirmou que o instituto usa “a mesma metodologia do Datafolha, do Ipec, da FSB”.
Questionado sobre como os resultados podem ser tão discrepantes, afirmou: “Tem de perguntar a eles, que erraram a vida inteira”. Quem errou? “O Ibope, o Ipec, o Datafolha”, disse.
Cademartori desviou quando a reportagem perguntou quem encomendou a pesquisa. Pediu que enviasse a solicitação por email e desligou o telefone. A Folha de S.Paulo mandou uma série de perguntas ao instituto, mas não obteve resposta.
Segundo o site do TSE, o levantamento foi feito de 26 a 28 de setembro, com 1.600 entrevistas telefônicas em 529 cidades das cinco regiões, tem margem de erro de 2,45 pontos percentuais e custou R$ 30 mil.
A pesquisa não é a única que dá Bolsonaro bem à frente de Lula. Na quinta-feira (29), influenciadores de peso da ala bolsonarista na internet passaram a divulgar o que chamam da “maior pesquisa já feita”, referindo-se à amostra do até então desconhecido Instituto Equilíbrio Brasil. Também registrada no TSE, ela ouviu 11.500 pessoas em 1.286 cidades.
O Equilíbrio fez os questionários por telefone e de forma automatizada, o que, em tese, pode reduzir o valor. Mas não tanto: o custo aproximado de cada questionário é de, no máximo, de R$ 2,4, já que o total declarado para a pesquisa foi de R$ 28 mil.
Como meio de comparação, outra pesquisa do mercado que faz questionários robotizados é a Poder Data, ligada ao veículo Poder 360. O custo por questionário varia de R$ 23 a R$ 29 segundo a declaração ao TSE -ou seja, 10 vezes mais.
A Equilíbrio declara ao TSE que foi a própria contratante dos levantamentos e que gastou R$ 220 mil em seis pesquisas. Se seguisse o custo médio de mercado e o de suas outras pesquisas com ligações automatizadas, só a última teria saído por R$ 260 mil.
O resultado de votos válidos da Equilíbrio mostra Bolsonaro com 46%, contra 41% de Lula. O presidente só perderia para o petista no Nordeste. No segundo turno, ele tem 47% da preferência, contra 43% de Lula.
Gustavo Gayer, candidato a deputado federal por Goiás e com acesso a Bolsonaro, abriu um de seus vídeos com quase 400 mil visualizações dizendo que “pesquisas fabricadas que mostram Lula na frente tem um único objetivo: te desanimar. Elas são mentirosas”. Ele, então, apresenta a pesquisa do Equilíbrio.
“Conheço o dono desse instituto de pesquisa, que é o Equilíbrio, e ele falou para mim: Gustavo, eu montei esse instituto só para saber a verdade porque nós sabemos que esses institutos antigos mentem. Então eu criei esse instituto só para saber a verdade. Se Lula estiver na frente, eu divulgo ele na frente sem problema algum. Mas o povo brasileiro precisa saber a verdade.”
Antes de junho de 2022, o Equilíbrio nunca havia registrado uma pesquisa no TSE.
Além de aparecer com frequência em grupos de conversa, a pesquisa foi divulgada por Leandro Ruschel, Ricca Perrone e Flávio Bolsonaro.
Ela está registrada no CNPJ da Multi Mercado LTDA, empresa criada em 1978, em Belo Horizonte, com outras atuações, como comércio de automóveis. O site foi lançado em 20 de maio deste ano.
O questionário do último levantamento começa com “Você foi sorteado para uma pesquisa eleitoral, é rapidinho!”. São nove questões, incluindo gênero, nível de escolaridade, faixa de renda, idade, se a pessoa é beneficiária do Auxílio Brasil, se tem carro e em quem pretende votar no primeiro e no segundo turno.
“É muito amador. Do ponto de vista técnico, quando se conduz uma pesquisa por telefone ou internet, todas as instruções têm de estar muito claras e elaboradas”, diz Pedro Mundim, professor de ciência política na Universidade Federal de Goiás.
Ele refere-se a pontos básicos como apresentação do instituto ao eleitor e o tempo que vai durar a ligação. “Também é preciso incluir todos os presidenciáveis como opção de resposta, como Vera Lúcia ou Padre Kelmon”, diz. O questionário cita só os mais conhecidos.
A reportagem ouviu outros cinco especialistas que indicaram outros problemas. O principal é a ausência de perguntas para controlar a amostra, como religião, voto declarado em 2018, voto espontâneo e rejeição.
A Folha não conseguiu contato com o empresário, mas o coordenador-geral da Equilíbrio, Henrique Parizzi, respondeu por email que a empresa utilizou o método de atendimento URA (Unidade de Resposta Audível), capaz de reduzir custos, e que ponderou a amostra dentro dos padrões registrados no TSE.
Para Antonio Lavareda, cientista político e presidente de honra da Abrapel (Associação Brasileira dos Pesquisadores Eleitorais), é importante que perguntas sobre o voto da eleição passada, o chamado recall, apareçam nos questionários.
“É uma variável de controle elementar para comparar com resultado da eleição passada e saber se a pesquisa está enviesada do ponto de vista político-ideológico”, diz.
Pesquisas autocontratadas, com resultados discrepantes da maioria, sem histórico e que não incluem a variável de controle de recall do voto são consideradas por ele “mal-assombradas”.
“Como temos escassa identificação partidária no Brasil e baixa autoclassificação ideológica, é muito importante perguntar em quem a pessoa votou na eleição anterior. É a forma atestar se o resultado foi enviesado por excesso de bolsonarista, por exemplo.”
Ele sugere atenção com “pesquisas de boca de urna das mal-assombradas”, que podem ajudar a inflar o discurso de fraude em caso de derrota do atual presidente.