As apurações abertas para investigar a conduta do governo de Jair Bolsonaro (PL) na participação e organização de atos antidemocráticos nas comemorações do 7 de Setembro do ano passado completam um ano sem chegar a um desfecho.
Entre elas, está o processo que tramita no TCU (Tribunal de Contas da União) que tem como objetivo apurar possível uso de recursos públicos na convocação, divulgação e organização das manifestações.
Na PGR (Procuradoria-Geral da República), a apuração segue sem conclusão em inquérito que tramita sob sigilo no STF (Supremo Tribunal Federal). O relator é o ministro Alexandre de Moraes. A Polícia Federal já realizou uma série de diligências nos autos.
A Procuradoria mirou inicialmente dez aliados do mandatário, incluindo o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), o cantor Sérgio Reis, o caminhoneiro Zé Trovão e o produtor rural Antonio Galvan, ligado à Aprosoja (Associação Nacional dos Produtores de Soja).
Na ocasião, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o STF ante milhares de apoiadores em Brasília e São Paulo, exortou desobediência a decisões judiciais e disse que só sairia morto da Presidência.
Na Esplanada dos Ministérios, ele ainda dirigiu ameaça direta ao presidente do Supremo, ministro Luiz Fux. “Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse, referindo-se a decisões de Moraes contra bolsonaristas.
Os atos também tiveram faixas, cartazes e gritos autoritários e antidemocráticos de seus apoiadores.
O pedido de apuração no TCU foi feito pelo Ministério Público de Contas no dia 8 de setembro do ano passado.
Ele entrou e saiu da pauta de julgamento dos ministros por cinco vezes.
O processo tem a Presidência da República como alvo e estava sob a relatoria do ministro Raimundo Carreiro, que foi indicado no final do ano passado por Bolsonaro para assumir a Embaixada do Brasil em Portugal.
Com isso, o caso passou para a relatoria do ministro Antonio Anastasia, que manteve as peças sob sigilo.
Em sua representação, o subprocurador-geral do TCU, Lucas Furtado, pediu que o tribunal averiguasse a possível utilização de materiais, infraestrutura, instalações e mão de obra custeados pelos cofres públicos nos atos.
Ele justificou que era necessário que todas as forças democráticas e instituições atuassem incisivamente em defesa das liberdades e dos direitos, “diante desse cenário desastroso e inacreditável”.
Disse também que era preciso apurar a responsabilidade política, penal, civil e perante o controle externo para identificar os financiadores dos atos, “de modo a individualizar as condutas e aplicar as sanções cabíveis”.
Ele citou, por exemplo, o suposto uso dos chamados “robôs” por servidores que fazem parte do chamado “gabinete do ódio” de Bolsonaro.
Segundo Furtado, o uso de tal meio para disparo em massa de desinformações poderia configurar uso de recursos do erário para atividade ilegítima e estranha às competências institucionais dos eventuais órgãos e agentes públicos dedicados a essas tarefas.
No dia 15 de setembro, sete dias após o pedido do subprocurador, o auditor Fábio Arruda de Lima, da Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado do TCU, chegou a dar um parecer propondo o arquivamento do processo.
Ele argumentou que a representação não preenchia os requisitos de admissibilidade do regimento interno do órgão porque, segundo ele, não estava acompanhada de indícios suficientes de irregularidade ou ilegalidade.
Ainda afirmou que o Ministério Público se valeu exclusivamente da reprodução de fatos citados em matérias jornalísticas sobre os atos para justificar a necessidade de investigação, sem “qualquer documentação comprobatória”.
“Ressalta-se que a representação não aponta nenhum indício concreto de irregularidade, uma vez que as notícias trazidas se limitam a relatar percepções e opiniões de algumas empresas de telecomunicações”, disse o auditor.
O parecer ainda não foi analisado pelos ministros do TCU. No início de julho, ele iria ser votado, mas o ministro Bruno Dantas, vice-presidente da corte, pediu vistas (mais tempo de análise) de 60 dias.
Em 16 de agosto do ano passado, a PGR pediu a abertura de inquérito para a adoção de medidas contra apoiadores de Bolsonaro.
Segundo o relato da Procuradoria, o grupo estava convocando a população, por meio de postagens em redes sociais, a praticar atos criminosos e violentos de protesto às vésperas do 7 de Setembro.
“Não se trata de mera retórica política de militante partidário, mas, sim, de atos materiais em curso conforme acima descrito, que podem atentar contra a democracia e o regular funcionamento de suas instituições”, afirmou.
Alexandre de Moraes avaliou existir quadro probatório suficiente a demonstrar “a atuação dos investigados na divulgação de mensagens, agressões e ameaças contra a democracia, o Estado de Direito e suas instituições”.
Ele determinou, então, uma série de medidas, como interrogatório dos suspeitos, bloqueio de redes sociais e de uma chave Pix, então usada para arrecadação de recursos com o objetivo de patrocinar os atos.
Durante as apurações, o ministro determinou algumas prisões, como a do caminhoneiro Zé Trovão e a do jornalista Wellington Macedo.
O inquérito foi enviado à Polícia Federal para diligências, incluindo análise de aparelhos eletrônicos apreendidos, identificação de veículos (e respectivos proprietários) como caminhões e tratores que tomaram conta da Esplanada no 7 de Setembro e interrogatório dos investigados.
Seguindo um roteiro fixado pela Procuradoria, a PF buscou identificar eventual participação de agentes políticos e públicos, incluindo servidores do Ministério da Agricultura.
Antonio Galvan, da Aprosoja, entidade suspeita de bancar a manifestação, negou à PF “ter qualquer relação com movimentos que tentam abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes”.
Disse ser do Movimento Brasil Verde-Amarelo, formado por produtores rurais que protestavam contra uma decisão do STF de 2017 que contrariou decisões anteriores da própria corte sobre contribuição social de fundo de amparo ao trabalhador rural.
Moraes mantém o sigilo do caso sob a justificativa de evitar danos à investigação e ao cruzamento de informações.
A defesa dos investigados, por sua vez, alega que as autoridades não conseguiram, passado um ano, reunir elementos necessários à apresentação de eventual denúncia.
Em nota enviada à Folha, a PGR afirmou que “o tempo de uma investigação viabilizada por meio de inquérito não é determinado apenas pela atuação do Ministério Público, uma vez que o curso procedimental envolve outros órgãos, como polícia e Poder Judiciário, e depende do cumprimento de todas as diligências”.
“Não apenas no referido inquérito, mas em todas as frentes de apuração, [a PGR] adota todas as providências de modo e no tempo adequados, sendo que a formação da convicção ministerial sobre o oferecimento de denúncia ou arquivamento, a depender da existência ou não de elementos comprobatórios da ocorrência de crimes e sua autoria, acontece, usualmente, quando da conclusão da investigação.”
Fonte: FolhaPress