No Brasil contemporâneo, não foram necessáriosFada Azul e seu mágico e onomatopaico pimlinlimpimpimpara emergir o “monstro de escuridão e rutilância”: o capetãoBozo; antes, bastaram uma enxurrada de ignorância, um tanto de soberba e uma única facada para que o Pinóquio tupiniquim ganhasse vida e, infelizmente, sem o Grilo Falante.

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Na entrevista do capetão Bolsonaro na TV Globo o que se viu foi a materialização do conceito de pós-verdade (distorção deliberada dos fatos para iludir e manipular a opinião pública). Em 40 minutos, o Pinóquio brasileirode carne e osso superou sobejamente o Pinocchioitaliano de madeira. Como? Assim: Bolsonaro mentiu quando disse que não xingou o ministro do TSE, Alexandre de Moraes; chamou de “canalha”. Bolsonaro mentiu sobre o inquérito da Polícia Federal, de 2018, em relação à segurança das urnas eletrônicas; a investigação da PF afastou qualquer possibilidade de violação dessas urnas. Bolsonaro mentiu ao afirmar que é perseguido pelo STF; é obrigação daquela corte informar a Procuradoria Geral da República sempre que o presidente incorre em ilegalidades. Bolsonaro mentiu ao dizer que as Forças Armadas aferirão a transparência do processo eleitoral; isso não é atribuição da caserna. Bolsonaro mentiuquando afirma que pedir golpe de Estado e fechamento do congresso é liberdade de expressão; a Lei 1.812, de 1953, em seu artigo 5º vaticina: “Tentar, diretamente e por fato, mudar, por meios violentos, a Constituição, no todo ou em parte, ou a forma de governo por ela estabelecida”.  Bolsonaro mentiu dizendo que havia agido rapidamente na aquisição da vacina; além de demorar 93 dias para responder à Ffizer, proibiu o uso da Coronavac adquirida por São Paulo.Bolsonaro mentiu ao falar que não imitou pessoas contaminadas pelo Sars- Covid-2 morrendo por falta de ar;existem dois vídeos em que o capetão imita tais doentes agonizando sem poder respirar. Bolsonaro mentiu ao declarar que o Auxílio Emergencial é uma iniciativa do seu governo; houve, sim, resistência dele e da sua bancada de sustentação no Congresso a esse auxílio, quando perceberam que perderiam; aprovaram o auxílio de 200 reais.

O Deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG) elaborou o projeto de lei do auxílio de 600 reais. Bolsonaro mentiu ao alegar que “os números da economia são fantásticos”; inflação galopante, dólar nas alturas, 16% da população passando fome e 56% em insegurança alimentar. São tantas mentiras que não há espaço para enumerá-las, cito mais duas: a do menor desmatamento da Amazônia e a da criação do PIX. Cala-te, capetão Pinóquio.

O nariz de Pinocchio, de Carlo Collodi, crescia quando ele mentia; o do Pinóquio-mor, de parte dos brasileiros, não. Porém, há estudos que afirmam que mentir causa vermelhidão no rosto e aumento de temperatura corporal. O Bozo, na entrevista, estava vermelho não de raiva; mas pelas mentiras que proferia. Sabidamente contrário à educação, à cultura e à ciência, Bolsonaro é uma lamentável consequência da ignorância de parte significativa da população, soberba da elite intelectual do país e da facada de um insano. Todavia, como advertiu o Grilo falante “todos os que abraçam esse ofício acabam sempre no hospital ou na prisão”. Quando chegar outubro, espero que a transigência supere o preconceito; que o conhecimento supere a ignorância; que a verdade de “Pinóquio às avessas”, de Rubem Alves, com ilustrações de Maurício de Souza supere a mentira de “As aventuras de Pinocchio”, de Carlo Lorenzini.

 

*SÉRGIO EDUARDO CINTRA é professor de Linguagens e de Redação em Cuiabá. Foi Diretor Executivo da Funec. 

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