Assisti estarrecida a notícia de que uma gestante, na cidade de São João do Meriti, no Rio de Janeiro, havia sido estuprada no momento mais sublime da sua vida: ao trazer ao mundo um bebê tão esperado. Investigação policial já aponta que o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra aplicava sedação “excessiva e desnecessária” com a intenção de cometer esse crime, que pela legislação brasileira, é enquadrado como hediondo. A apuração indica ainda que pelo menos outras 5 mulheres passaram pela mesma situação ao serem submetidas ao “trabalho” de Bezerra.

Embora o estupro não seja tolerado no sistema penitenciário do país – o médico foi hostilizado pelos demais privados de liberdade ao chegar em Bangu 8 – a prática é corriqueira no Brasil. Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 56.098 mulheres, nas mais variadas faixas etárias, foram violentadas sexualmente no ano de 2021, ou seja, a cada 10 minutos era registrado um estupro no país.

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Essa mulher, além de ter sido violentada, pela sedação excessiva, perdeu a possibilidade mágica de conhecer a criança que gerou assim que ela saísse da sua barriga, não pôde acalentar em seus braços esse serzinho que com certeza vai mudar toda a sua trajetória de vida para sempre. Essa mulher agora terá que lidar com o trauma causado por um doente, além de tomar medicamentos utilizados na profilaxia das infecções sexualmente transmissíveis.

Esse tipo de postura não pode passar impune. O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) aprovou a suspensão provisória do médico em questão. Agiu corretamente. Deixá-lo exercer a medicina significa expor mais mulheres ao risco.  Não podemos aceitar, minimizar ou banalizar esse tipo de postura. Os responsáveis precisam ser adequadamente punidos.

Eu quero chamar atenção para um problema que é estrutural, a violência contra a mulher. A violência sexual é apenas uma das tantas cometidas contra nós, mulheres. Ainda temos a psicológica, a moral, a física, a patrimonial e a violência política – quando mulheres são hostilizadas, coagidas, assediadas, perseguidas, ameaçadas, humilhadas, constrangidas e impedidas de exercer integralmente o cargo para o qual foram eleitas ou mesmo na condição de candidatas a cargo eletivo.

Essa violência de gênero precisa acabar. Mulheres morrem ou ficam marcadas pelo resto de suas vidas em razão do machismo estrutural que nos assombra. O mesmo Fórum Brasileiro de Segurança Pública evidencia que no ano passado 1.319 mulheres morreram apenas e tão somente por serem mulheres. Esse crime ganhou uma denominação: feminicídio. E Mato Grosso, infelizmente, é o quarto estado com o maior índice de registro desse crime no país. Enquanto a média no Brasil é de 1,2 feminicídios a cada 100 mil mulheres, aqui essa taxa é de 2,5. Perdemos apenas para o Acre, Tocantins e Mato Grosso do Sul.

Fico profundamente tocada com essa triste realidade. Para provocar algum tipo de reflexão e tentar trazer alguma mudança para o cenário do nosso estado, é que me tornei voluntária do Movimento Conecta. O Conecta tem como uma de suas muitas atividades, levar às escolas públicas de Mato Grosso o debate sobre a violência contra a mulher, através da discussão da Lei 14.164/2021, grande orgulho para todas cidadãs e cidadãos mato-grossenses. Se alguma transformação pode acontecer, não tenho dúvida, ela se dará pela educação.

Realizamos palestras, não só para estudantes, mas para todos os profissionais da educação envolvidos no dia a dia dessas crianças e jovens, para que a temática seja constantemente abordada no cotidiano escolar. De posse da informação, eles sabem as condutas que não devem adotar, como identificar se ocorre algum tipo de violência e quais os canais para denunciá-la. Aqui cabe uma preocupação de todos nós pediatras, com as escolas fechadas na pandemia, ficamos muito apreensivos, pois a escola é o maior identificador dos casos de maus tratos e abusos contra crianças e adolescentes.

É preciso um esforço conjunto para que não vejamos mais casos de violência espalhados pelo país. Evitar o crime é muito mais importante que puni-lo. Cabe a nossa sociedade ainda não dar holofote para o agressor. O que me chamou atenção é que depois da divulgação do estupro – que foi revelado graças ao trabalho árduo de enfermeiras, parabéns a todas estas mulheres, que notaram que algo não ia bem e se esforçaram para desmascarar o médico – o anestesista ganhou 11 mil seguidores nas redes sociais.

Esse tipo de “fama” faz com que a vítima reviva o trauma e chancela o comportamento do estuprador. Até quando vamos revitimizar as nossas mulheres? É preciso dar um basta a esse tipo de situação. Todos nós, homens e mulheres, em um movimento coletivo devemos lutar pelo fim da violência contra mulher. Essa missão é nossa e dos homens que nos cercam. O esforço deve ser conjunto, pois só assim será efetivo. E nós médicos não podemos perder a nossa essência que é cuidar, acolher e amparar.

*NATASHA SLHESSARENKO  é médica pediatra e patologista clínica e tem atuado fortemente contra a desinformação.

CONTATO:                                                    www.facebook.com/natasha.slhessarenko