Entre tendas estendidas no centro de Cuiabá, conhecida nacionalmente como a capital do agronegócio, uma atividade desmistifica o imaginário comum e traz à tona a importância da produção e da resistência do campo. Em meio às tendas, bandeiras, produtos e serviços, que compõem a Feira Saberes e Sabores da Terra, muitas histórias conectam o campo e a cidade, marcando mais uma atividade da Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA).
“Se o campo não planta, a cidade não janta”. É assim que Rosilene Maruyama se apresenta enquanto organiza um bocado de produtos em uma das bancas da Feira: polpa de fruta, açafrão, gergelim, lima, melado de cana de açúcar, farinha de mandioca e tantos outros produtos. Na banca, todos os produtos são derivados dos quintais agroecológicos, desenvolvidos na comunidade Agrovila das Palmeiras, em Santo Antônio de Leverger, onde mora com outras 800 famílias. Os quintais são desenvolvidos por meio do Projeto Campo à Mesa, que estimula e ensina a preparação de mudas em pequenos viveiros fixados nos quintais da cada família atendida.
Após morar 10 anos no Japão, Rosilene ressignificou seu olhar sobre sua cultura e, ao retornar de alma e coração ao Brasil, efetivou sua residência na área rural onde reconhece na agricultura familiar uma possível solução para a alimentação no país natal. “Além da variedade, os produtos da roça são naturais, sem agrotóxicos, mas não são encontrados nos mercados”, reforça, ao mencionar a qualidade dos alimentos da agricultura familiar. Ainda segundo ela, a Feira traz a possibilidade da prática da economia solidária, com preços justos e produtos saudáveis.
Assim como Rosilene, as agricultoras e agricultores da Comunidade de São Manoel do Pari, no município de Nossa Senhora do Livramento, se preocupam com a saúde das pessoas que levam para casa os produtos da localidade. Dona Miguelina é uma delas. Após a morte de sua mãe quando criança, saiu de Poconé rumo a Livramento, onde fez moradia e trabalha há mais de 20 anos na agricultura familiar. Segundo ela e outras 18 famílias que fazem parte da Associação, tudo que é produzido é natural, livre de agrotóxicos e pronto para ir à mesa, como: banana, batata doce, jiló, arroz, farinha, paçoca de pilão, furrundu, rapadura e banha de porco.
Dividindo a banca com dona Miguelina, Kleberson Dias traz a jovialidade entre os produtores do campo. Desde os 10 anos de idade, ele acompanha os pais na lida e na luta no campo. Hoje, aos 26 anos, ao lado dos jovens de sua comunidade, gerencia a Associação dos Agricultores e Agriculturas Afrodescendentes da Comunidade Tradicional do Capão Verde, responsável pela produção local na Comunidade Quilombola. Na Feira, ele traz com os produtos a história e a tradição da banana e seus derivados como farinha de banana, bala de banana e castanha de cumbaru.
As mulheres também marcam forte presença na Feira. Diretamente da Comunidade Mutuca, em Nossa Senhora do Livramento, Jocélia, Justina, Narcisa e Alda recebem os visitantes. Através da venda da paçoca, banana, do mel de abelha e da farofa de banana, elas contam um pouco da história e da tradição da Comunidade. Todos os produtos são plantados, colhidos e preparados pelas integrantes do Grupo Produtivo de Mulheres Mãe Rosa, fundado há mais de 20 anos.
Na Feira, os segmentos da culinária, cultura, arte e modos de vida vão se encontrando em cada banca montada. Entre os agricultores e agricultoras, Rosangela Monzilar, veio da aldeia indígena umutina, em Barra do Bugres, expor o artesanato que faz com outras sete mulheres chefiadas por indígenas na sua comunidade. Todas têm o artesanato como fonte principal de renda. Para ela, a Feira é essencial para expor sua cultura por meio da arte. Com ela, o cocal, a tiara, o leque, os brincos, espanador e os colares são a expressão da arte de sua reserva. Além dos artesanatos, ela também planta e colhe, dividindo a labuta no campo com seus familiares.
A produção no campo conecta muitas histórias entre os participantes da Feira Saberes e Sabores da Terra. Desde os que sempre moraram na mesma comunidade àqueles que transitaram pelo “estado do agronegócio” com a bandeira da justiça pela reforma agrária. É o caso de Adriano Ribeiro dos Santos, que vive há seis anos no assentamento Egídio Brunetto, em Juscimeira. Adriano, que participa ativamente do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) desde 1999, é hoje militante e vislumbra a possibilidade de um futuro mais justo para quem vive no campo a partir das conquistas da reforma agrária. Motivado pelo seu pai, e pai de uma filha de 10 anos, ele acredita que a reforma agrária é fundamental quando se trata de salvar vidas e manter a terra saudável.
Da cultura quilombola à indígena, quem passa no Centro de Cuiabá tem a possibilidade de levar para a casa experiências, conhecimento e troca de saberes. Além dos produtos, as histórias que cada produtor carrega consigo traz o significado da força e da resistência no campo.
A feira continua nesta sexta
Além da comercialização de alimentos e artesanato, a Feira tem um espaço da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso com serviço gratuito de orientação jurídica e emissão da declaração de hipossuficiência para isenção de taxas em documentos. Professoras/professores e estudantes dos cursos de Medicina, Enfermagem e Nutrição dão orientações de saúde e alimentação saudável para quem participa do evento. Também há apresentações culturais, oficinas e rodas de conversas.
Entre os destaques desta sexta-feira (13), estão as rodas de conversa “Impactos do agronegócio na saúde em Mato Grosso e a emergência de uma reforma agrária popular”, com Maelison Silva Neves, Marcia Montanari e Haya Del Bel, professores e pesquisadores do NEAST/UFMT, às 14h. Na sequência, às 15h15, ocorre a conversa sobre “Segurança e soberania alimentar e nutricional e a retomada do desenvolvimento no Brasil” com participação de Maria Emília Lisboa Pacheco (antropóloga, ex-presidenta do Consea Nacional e assessora da FASE); Fran Paula (FASE); Leonel Wohlfahrt (FASE) e mediação de Victória Ramos (estudante de Nutrição da UFMT).
Saiba mais sobre a JURA
A JURA teve início no ano de 2014, com a participação de 40 universidades e hoje ocorre em 60 instituições de todo o país, promovendo o intercâmbio entre a academia e os camponeses para debater sobre a reforma agrária e a relação com a produção. Na UFMT, acontece desde 2018. O evento debate educação, relações raciais, soberania popular, proteção ao ambiente, saúde, direitos dos povos indígenas e quilombolas, trabalho e agroecologia. Esta edição é organizada pela UFMT e MST, com apoio de movimentos populares, associações de trabalhadoras e trabalhadores, sindicatos, mandatos populares e da Prefeitura de Cuiabá.