Em julho de 2021, um tempo um pouco distante, conversei com Melânia Ximita da Cunha, carinhosamente Ximita, uma servidora da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso, por muitas vezes.

 

O seu desejo era que eu registrasse as suas memórias. Com vagar estava satisfazendo o seu desejo. Na última festa de São João da AFFEMAT gravei alguns minutos da sua fala, ainda na gestão de Enéas Cardoso, no clube. Tive muita sorte. Aqui registro esses momentos.

 

Ximita disse: “Nasci em 09 de junho de 1931, de uma gestação de 7 meses em Cáceres (MT). Com dois anos de idade a minha mãe faleceu. Sou filha de Luiz Amâncio da Cunha, que era estafeta em Cáceres e, fazia o trabalho, também, em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT).

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Naquela época, o trabalho era feito no lombo de burro ou de boi, não havia carro motorizado por aquelas bandas. Minha mãe era Gertrudes Francelina da Cunha. Quando ela faleceu, a minha irmã Cândida Francelina da Cunha, que havia casado em Cuiabá (MT) com o Telegrafista, Vital Batista Ribeiro, que era meu cunhado e meu padrinho, criou-me, após a morte da minha mãe, porque ela era a mais velha. Hoje, ela também, já é falecida.

 

Para meu pai trabalhar, certo dia, ele me pegou, me enrolou em dois cobertores seca poço e me colocou no lombo de cavalo, com 7 meses de idade, rumo à Vila Bela da Santíssima Trindade. Como eu parecia um ratinho de pequena, ele não quis me apertar. No meio do caminho, ele percebeu que eu não estava mais no lombo do cavalo. Então exclamou! Perdi minha filha, lembra Ximita. Cadê a minha filha!. Tinha apenas um cobertor.

 

Na verdade, somente o cobertor de dentro havia escorregado e, eu fui junto, sorriu Ximita. Ele retornou e me encontrou no meio do campo, dormindo serenamente entre a coberta. Ele se assustou por que por ali era caminho de índios e havia onça. Então minha filha, se referindo a esta escritora, se naquela época, índio e onça, nada disso me comeu, agora o povo que quer me comer desse jeito, não tem jeito. (risos).

 

Meu pai contou-me esse fato, ainda quando eu era menina. No entanto, está presente até hoje em minha memória. Fiquei até 4 anos de idade em Vila Bela da Santíssima Trindade e, depois vim para Cuiabá, com 5 anos, na companhia da minha irmã e do meu cunhado. Eu me lembro de tudo que aconteceu comigo desde os 8 anos de idade, afirmou Ximita.

 

Só fui morar em Várzea Grande (MT) porque casei com várzea-grandense, o coronel Antônio Gerônimo de Figueiredo, que era papa banana. Estudei no Asilo Santa Rita, em Cuiabá. Fugi com 16 anos da fila da procissão para casar com o meu marido, que era Tenente da policia Militar, e fui morar em Várzea Grande.

 

Naquela época ele já era desquitado, mas eu não sabia. Gonçalo Ramon de Figueiredo, o primeiro prefeito nomeado de Várzea Grande, sobrinho do governador, à época, Arnaldo Estevão de Figueiredo, era tio do meu marido também. Como meu padrinho ficou bravo, mandou um recado para o meu marido assim: “quando eu encontrar com vocês “capim não nascia”“.

 

Como entendi o recado, o governador mandou nos levar para Corumbá (MS), de avião do exército, porque naquela época não havia avião e, nem aeroporto. Lá o meu marido foi nomeado comandante do batalhão da policia Militar de Corumbá. Fiquei dois anos em Corumbá e, depois fui para Campo Grande (MS). Nesse tempo meu marido já era Major.

 

Depois disso, teve um movimento na política e meu marido foi transferido para Bonito (MS). Nesse período é que houve a matança entre os paraguaios. Os paraguaios meteram bala no quartel da polícia. Mataram muitos militares. O período a que Ximita se refere, possivelmente, seria o período da guerra do Paraguai.

 

Quando cheguei a Bonito, com mais ou menos 18 anos, o quartel era de tábua. Os presos eram amarrados junto aos pés de goiabeira com corrente nos pés. Eu chorava muito em presenciar aquela situação, por ser temente a Deus. Então, eu falei para meu marido, o que vamos fazer com essa situação. Naquela época eu já estava grávida. Eu disse a ele que não aceitava ver preso amarrado.

 

Então meu marido pediu para o prefeito de Bonito na época e, o prefeito mandou construir um “xadrez” para os presos. Morei em Bonito por 2 anos, depois vim para Campo Grande, onde o irmão do meu marido era comandante. Na verdade, morei em Campo Grande umas três vezes.

 

Ai teve uma revolta em Dourados (MS) e meu marido foi mandado para lá. Logo depois morei em Nioaque (MS), Guia Lopes da Laguna (MS), Jardim (MS). Com tantas andanças já vi muitas coisas.

 

Por isso, eu falo, hoje, que antes o roubo era escondido, hoje ele é declarado, confidenciou Ximita. Dr. Estevão morreu embrulhado no cobertor seca poço. Ximita nos faz entender que políticos de antigamente morriam muito pobres, a exemplo do Dr. Estevão.

Em 1955 eu já morava em Várzea Grande. Eu era professora e, no interior trabalhava como escrivã do meu marido. Entrei na Secretaria de Fazenda no início do governo de Júlio Campos. Fui supervisora de alimentação escolar do município de Várzea Grande e fui trabalhar com a professora Sarita Baracat de Arruda. Eu não era do lado da política dela, mas ela reconheceu o meu trabalho, exclamou Ximita. Hoje somos comadres.

 

Sou madrinha de Ernandes Baracat de Arruda, o Nico, também já falecido. Ela me mandou fazer um curso em Belo Horizonte (MG). Foi a única prefeitura que ganhou prêmio pelos serviços prestados. Ganhei a vaca mecânica que fazia leite quente, morno, e o macarrão, foi dai que Renato Gattas criou a Rei Massas macarrão.

 

Com 17 anos eu era mãe. Tive 5 filhos: Paulo Justino de Figueiredo (falecido), Amilton Gerônimo de Figueiredo, Janete Arcângela de Figueiredo, Dalva Luiza Figueiredo Couto e Rosemeire Angélica Figueiredo Tavares. Ximita informou que tinha um rascunho de anotações de suas memórias, no entanto, ficou triste porque na época que foi viajar para Europa, as anotações foram roubadas de sua casa.

 

Sobre as festas de São João da AFFEMAT disse adorar os momentos de alegria. Encheu de satisfação em dizer que foi a primeira conselheira da associação e, demostrou muita felicidade quando se referiu à administração do colega Enéas Cardoso.

 

“Ajudei muito Enéas, Gringo mora no meu coração”, confidenciou Ximita. Já fui rainha da Festa junto com João José Ribeiro Taques, foi a primeira conselheira do clube na gestão do Gringo. Sou da diretoria da DAP (Diretoria dos Aposentados). A festa está uma beleza, mas antigamente era mais bonita, penso que é por causa das coisas do tempo, antes nada era terceirizado, agora tudo é moderno. Prefiro as festas de Enéas. Eram mais de devoção.

Passeando pelo tempo, Ximita relembrou a época que trabalhou com a professora Sarita Baracat de Arruda, na prefeitura de Várzea Grande. No dia 15 de Novembro de 2012, Ximita faleceu e, com ela também se foram suas lembranças e suas memórias.

 

Quem sabe, um dia, esse alguém de posse do seu caderno, com as suas memórias possa devolver, para que possamos completar os seus pensamentos e satisfazer o seu desejo, ou seja, deixar registrada a sua experiência de vida. Descanse em paz, amiga.

 

Agora no céu, como uma das estrelas, junto a minha Mãe e as Mães de muitos brasileiros e brasileiras, rendemos as nossas homenagens às essas brilhantes estrelas.

 

*NEILA MARIA DE  SOUZA BARRETO   é jornalista, escritora, historiadora e Mestre em História. É membro da Academia Mato-Grossense de Letras (AML) e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso (IHGMT).
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