Thomas Morus, no início do século XVI, brindou a civilização com sua “Utopia” (do latim Utopia – o não-lugar) ilha imaginária, na qual as relações sociais eram ideais. Parte da humanidade viveu, em um passado recente, muitas utopias:o movimento Hippie, o anarquismo de Proudhon e deMalatesta, a Revolução Cubana, entre outros. Todos suplantados pelo individualismo e pelo utilitarismo capitalistas. A contemporaneidade é marcada por distopias (do grego dys + topos – ruim lugar) que vão desde regime ditatorial e manipulador – vide Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley até totalitarismo e tecnologia controlando os cidadãos – 1984, de George Orwell.
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Comumente, na atualidade, grande parte dos brasileiros é surpreendida por atos e falas governamentais absurdos, que mais se assemelham ao Surrealismo, especificamente a René Magritte, pintor surrealista que levou ao extremo o absurdo, desafiando, não sem genialidade, a lógica e a razão.
Ao contrário do artista belga, Bolsonaro é um mestre na arte de infantilizar situações e/ou aparvalhar-se com falas que beiram a insanidade. Um surreal distópico (intencional). São inúmeros os exemplos de sandice do capitão: defender o trabalho infantil a partir dos nove anos de idade ou pôr em xeque o Inpe ou sugerir que as pessoas defequem dia sim, dia não. Atônita e estupefata, parcela da sociedade imagina estar vivendo um pesadelo ou, ainda, uma hecatombe sem precedentes históricos em Pindorama.
O multifacetado Arnaldo Antunes , em seu texto-manifesto “Isto não é um poema” diz: “como li por aí:/ ‘como explicar a lei Rouanet para quem/ainda não assimilou a lei Áurea?’/ou: como explicar a lei da gravidade/para quem ainda crê/que a terra é plana?/e querem defender sua ignorância com dentes/e garras/querem/matar atirar vingar/a quem?/em nome de quem?/ (pátria, família, propriedade, segurança?)”. O presidente e suas estultices contaminam diversos segmentos da sociedade e parte da imprensa conivente, fazendo daquilo que seria apenas hilário, algo demasiadamente trágico para o presente e para o futuro, comprometendo, irremediavelmente, as próximas gerações.
Não conseguimos, infelizmente, nos livrar dos tentáculos da Ditadura Militar (1964 – 1985), o Leviatã de Thomas Hobbes, autoritário e conservador, emerge na Lagoa Rodrigo de Freitas e se transmuta para o Paranoá, trazendo consigo reminiscências de coturnos e de censura; de fardas e de farsas; de generais e de falácias; de armas e de mortes. Apesar da noite que, novamente, se avizinha, é necessário que não se esqueça do poeta e guerrilheiro angolano Fernando Costa Andrade (1936 – 2009): “Juntei na mão/ os meus poemas/ e lancei-os ao deserto/ para que as areias/ se transformem em protesto”.
*SÉRGIO EDUARDO CINTRA é professor de Linguagens e de Redação em Cuiabá. Foi Diretor Executivo da Funec.
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