Quando escreveu, em 2015, a introdução da edição em língua portuguesa de “Mein Kampf” (“Minha Luta”), livro que é tratado como manual ideológico para os nazistas, o sociólogo português António Costa Pinto argumentou que não havia perigo em republicar as memórias de Adolf Hitler, uma vez que o livro se tratava de “um pedaço da história que não possuía mais capacidade de mobilização”.

O que António Costa talvez não imaginasse àquela época era a recente onda de extrema-direita que assolou o mundo nos últimos anos, promovendo líderes de governo autoritários e a disseminação de ideais bem semelhantes aos que o livro de Adolf Hitler propagava.

No Brasil, as discussões em torno do nazismo voltaram à evidência na semana passada. E o futebol mais uma vez foi puro reflexo da nossa sociedade. Ontem, em Pelotas, no Rio Grande do Sul, um torcedor do Grêmio Esportivo Brasil apareceu na arquibancada do estádio Bento Freitas com a seguinte tatuagem nas costas: “Mein Kampf”. Sim, o título do livro escrito por Hitler, em 1925. Outros torcedores reconheceram a referência na tatuagem e agrediram o torcedor, que foi retirado do estádio.

Embora pareça óbvio, em tempos que precisamos regredir para discutir elementos tão básicos da nossa formação como cidadãos (vacina, por exemplo), é preciso lembrar sempre: fabricar, comercializar e distribuir símbolos para divulgação do nazismo é crime!

Ao contrário do que pensava o sociólogo português, existe um risco, sim! E ele é iminente. O número de casos registrados de apologia ao nazismo cresceram substancialmente de 2018 pra cá, segundo levantamento feito pela CNN Brasil. Eram 3 casos em 2018, 4 em 2019, escalando para 9 casos em 2020 e 10 em 2021.

E esses são apenas os casos que foram registrados. Existe a estimativa, segundo pesquisa da antropóloga Adriana Dias, da existência de 530 células neonazistas no Brasil. Eram 334 em 2019, o que significa um aumento de 58% em um curto espaço de tempo. E o crescimento das redes sociais é ponto estratégico nessa disseminação. Em 2002, com a internet ainda engatinhando por aqui, segundo os estudos de Adriana, os casos não passavam de 10.

Obviamente, não há coincidências nessa linha do tempo. Essas pessoas passaram a se sentir mais confortáveis em compartilhar seu discurso de ódio, a partir do momento que encontram eco dos seus ideais em diversos ramos da nossa sociedade, travestido agora do argumento sórdido de liberdade de expressão e livre opinião.

Não podemos mais banalizar o livre discurso de ódio. Precisamos estar mais atentos que nunca para agir de maneira taxativa para repudiar. Mas um repúdio verdadeiro, não através apenas de notas, mas de atitudes, de ações que coíbam na prática. Precisamos fazer com que não se sintam mais confortáveis em proliferar tamanhos absurdos.

Nenhum movimento dessa proporção explode de uma hora pra outra. É um processo e estamos nesse curso. A hora de combater de maneira veemente é agora. E, voltando à capacidade de mobilização citada por António Costa, o esporte tem o dever de ser instrumento fundamental em mais essa luta. (GE)