Ideólogo da direita brasileira e considerado uma espécie de “guru” do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho morreu na segunda-feira (24/01) aos 74 anos. As causas da morte não foram divulgadas pela família, que anunciou o falecimento no perfil oficial dele no Facebook.
“O professor deixa a esposa, Roxane, oito filhos e 18 netos. A família agradece a todos os amigos as mensagens de solidariedade e pede orações pela alma do professor”, afirma a nota oficial. Olavo estava hospitalizado na região de Richmond, na Virgínia (EUA), onde morava havia mais de uma década. Segundo mensagem veiculada em seu canal no Telegram no dia 15/01, ele havia contraído covid-19 e precisava cancelar as aulas de um curso de filosofia que ministrava online.
Em julho de 2021, ele havia viajado ao Brasil para tratar de problemas cardíacos e chegou a passar três meses internado após novas complicações de saúde.
A notícia de sua morte gerou uma onda de homenagens, incluindo o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos. “Nos deixa hoje um dos maiores pensadores da história do nosso país, o filósofo e professor Olavo Luiz Pimentel de Carvalho. Olavo foi um gigante na luta pela liberdade e um farol para milhões de brasileiros. Seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre”, publicou Bolsonaro em seu perfil no Twitter.
“Aqui na Terra seus livros, vídeos e ensinamentos permanecerão por muito tempo ainda”, escreveu o deputado federal Eduardo Bolsonaro em postagem no Twitter, com fotos deles juntos. “Ao Professor Olavo a minha eterna gratidão por sua vida dedicada ao conhecimento, que semeou em uma terra arrasada chamada Brasil e fez florescer em muitos de nós um sentimento de esperança, de amor pela verdade e pela liberdade. Que sua obra ilumine para sempre a nossa história!”, escreveu o vereador Carlos Bolsonaro na mesma rede social.
Apesar de a causa da morte não ter sido confirmada oficialmente, muitos usuários do Twitter associaram o falecimento à covid que o escritor havia contraído dias antes e republicaram uma postagem dele de maio de 2020 em que minimizava a gravidade da pandemia. “O medo de um suposto vírus mortífero não passa de historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai Noel.”
Não há informações oficiais sobre se Olavo tomou ou não doses da vacina contra a covid-19. Ao longo da pandemia, Olavo fez diversas contestações aos dados divulgados sobre mortes e a gravidade da doença, além de críticas a restrições à circulação de pessoas adotadas por países para tentar conter o avanço da doença, como lockdowns.
Trajetória
Autoproclamado filósofo, embora não tenha formação acadêmica, Olavo se projetou a partir dos anos 1980 como articulista conservador ao escrever em grandes veículos brasileiros, como os jornais Folha de S.Paulo e O Globo.
Após se mudar para os Estados Unidos, alcançou grande público por meio de cursos online e venda de livros com forte retórica conservadora e anticomunista. Seu canal no YouTube, criado em 2007, tem mais de um milhão de inscritos e acumula mais de 68 milhões de visualizações.
Em sua tese de doutorado que daria origem ao livro “Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil”, a cientista política Camila Rocha afirma não ter dúvidas de que a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 “não foi raio em céu azul, mas fruto da consolidação paulatina de uma nova direita brasileira que durou mais de uma década e que encontrou suporte em redes de contatos e organizações nacionais e estrangeiras construídas décadas atrás por intelectuais e acadêmicos pró-mercado”.
E, segundo a pesquisadora, um dos principais influenciadores e fomentadores do surgimento de espaços de debate na internet ligados à formação de uma nova direita no Brasil no início dos anos 2000 foi o escritor Olavo de Carvalho, que, como explica Rocha, “se declarava a favor do livre-mercado na economia, tradicionalista e conservador no que tange à religião, anarquista em relação à moral e educação, nacionalista e contra o ‘governo mundial’ no que diz respeito à política internacional e um realista no campo da filosofia”.
A eleição do presidente Jair Bolsonaro levaria então muitos dos pensamentos de Olavo para o coração do governo brasileiro, como a defesa da família tradicional e do amplo direito ao uso de armas, principalmente por meio da influência de um dos filhos do presidente, seu grande admirador, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Chegou a ter discípulos seus no primeiro escalão do governo, caso dos ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub (Educação).
Hoje, o governo ainda abriga olavistas, como o secretário de Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalim, e o Assessor Especial para Assuntos Internacionais da presidência, Filipe Martins. No entanto, o grupo acabou perdendo espaço para setores mais pragmáticos, com a entrada de integrantes do Centrão (grupo de partidos políticos de centro-direita, principalmente o PP) na gestão Bolsonaro.
“Eu quis que uma direita existisse, o que não quer dizer que eu pertença a ela. Fui o parteiro dela, mas o parteiro não nasce com o bebê”, disse Olavo à BBC News Brasil em dezembro de 2016, poucos meses após o impeachment de Dilma Rousseff, momento em que movimentos de direita emergiram com força no país.
“Estou contra o comunismo e quero que o Brasil tenha uma democracia representativa efetiva”, afirmou também na ocasião.
Ao longo da vida, Olavo acumulou desafetos com a mesma intensidade com que é defendido por seus admiradores. Desbocado e grosseiro, com frequência distribuía ofensas nas redes sociais e em entrevistas, inclusive com comentários homofóbicos e racistas.
Nos últimos anos, brigou inclusive com antigos admiradores seus, como o cantor Lobão, um dos expoentes da direita que se afastou de Bolsonaro, ao contrário de Olavo.
“Jair Bolsonaro foi inventado pelo núcleo olavista. Em 1º de março de 2014, no aniversário do golpe militar, Olavo convidou o então obscuro deputado Jair Bolsonaro [para uma entrevista]. Trouxe o Jair para a ribalta e começaram a chamá-lo de mito e insuflaram. Viram a resposta muito rápida; ele seria um ícone moral e incorruptível”, disse Lobão em entrevista ao portal UOL, no ano passado.
“Olavo é o homem que está colocando fogo no circo. O Olavo é dono do governo, rege o Brasil, as pessoas têm que entender”, afirmou ainda o cantor, na mesma entrevista.
Críticas e elogios ao governo Bolsonaro
Olavo fez críticas eventuais ao presidente, mas, em geral, o defendia com bastante fidelidade. Inclusive fechando os olhos para os indícios de corrupção envolvendo a família presidencial, com a suposta pratica de esquemas de rachadinha (desvio de salários de funcionários fantasmas nos antigos gabinetes legislativos de Bolsonaro e seus filhos Flávio e Carlos).
“Você pode chamá-lo de burro, de mau administrador, mas de ladrão você não vai conseguir”, disse Olavo à BBC News Brasil, em entrevista em maio de 2020.
Ao ser questionado sobre o suposto esquema capitaneado por Fabrício Queiroz, ex-chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro, minimizou o escândalo dizendo que “casos pequenininhos de corrupção podem acontecer em qualquer governo”.
Naquela entrevista, também mostrou total alinhamento com as posturas de Bolsonaro na pandemia de covid-19, criticando medidas de isolamento social e uso de máscara, embora a importância dessas ações para conter o vírus seja atestada cientificamente. Por outro lado, defendeu remédios sem eficácia comprovada em pesquisas científicas, como cloroquina.
“O nível de cura é imenso. No Brasil, o sucesso da cloroquina está mais do que comprovado”, disse.
No ano passado, porém, criticou o que viu como falta de apoio de Bolsonaro a seus aliados que sofriam retaliações. Desde o primeiro semestre de 2020, parlamentares e apoiadores de Bolsonaro têm sido alvos de ações da Polícia Federal por ataques considerados autoritários contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Em alguns casos, isso levou, inclusive, à suspensão de contas nas redes sociais e ao bloqueio de anunciantes nesses canais.
O próprio Olavo teve perdas financeiras relevantes, não como alvo dessas ações policiais, mas por pressão da opinião pública. Segundo reportagem do jornal Estado de S. Paulo de novembro de 2020, uma campanha contra o escritor promovida pelo Sleeping Giants, movimento que pressiona empresas a retirarem recursos de páginas com conteúdos que classifica como de ódio e desinformação, levou mais de 250 companhias a desvincularem suas marcas de conteúdos produzidos por Olavo.
Com isso, diz a reportagem, ele chegou a perder cerca de 30% dos alunos que pagavam para receber seus ensinamentos via PayPal, uma das companhias que o baniu.
Dias depois, em 13 de novembro, Olavo publicou no Twitter: “Bolsonaro: Se você não é capaz nem de defender a liberdade dos seus mais fiéis amigos, renuncie a vá para casa antes de perder o prestígio que em outras épocas soube merecer”
Depois, em outra mensagem, disse que não estava defendendo uma saída imediata do presidente: “Não pedi renúncia nenhuma, pus a coisa no condicional.”
Em dezembro de 2021, Olavo fez novas críticas a Bolsonaro, afirmando que o presidente o havia usado como “garoto-propaganda” para “se promover e se eleger”, mas “depois disso não só esqueceu tudo o que dizia como até os meus amigos que estavam no governo ele tirou”. Nesta live, ao lado dos ex-ministros Ricardo Salles e Abraham Weintraub, Olavo disse também que Bolsonaro não manda em nada no país e “a briga já está perdida”.
Esoterismo islâmico e astrologia
Nos anos 1980, antes de se projetar no debate político brasileiro, Olavo flertou com a Escola Tradicionalista, corrente de pensadores e estudiosos da religião preocupados com o que consideravam um declínio das formas tradicionais de conhecimento do Ocidente.
“Ao longo da minha vida, fui me abrindo a tudo quanto é influência que pudesse de algum modo me ajudar a compreender as coisas”, contou, em entrevista à BBC News Brasil em 2016.
Naquela época, ele aderiu à tariqa (ordem mística muçulmana) liderada pelo alemão Frithjof Schuon (1907-1998), um dos expoentes do movimento e que aceitava em seu grupo adeptos de diferentes religiões. Olavo deixou a tariqa tempos depois, mas dizia que a experiência foi “absolutamente indispensável” para sua formação.
Depois, passou a lamentar a expansão do islã na Europa e nos Estados Unidos.
Em outro desvio na carreira, no fim dos anos 1970, trabalhou como astrólogo em São Paulo. Do signo de Touro, dizia que a astrologia “é um tremendo problema científico que nunca foi tratado seriamente”.
“Algo na astrologia tem algum fundamento — algo, não sei exatamente o quê”, afirmou também na entrevista.
No fim, chegou à conclusão “de que o problema era grande demais para mim”.
Olavo, depois, se reaproximou da Igreja Católica, onde contou ter sido criado. Assistia à missa, rezava o Pai Nosso antes das refeições e dizia praticar a caridade. “Não me lembro ao longo da minha vida de alguém ter pedido minha ajuda e eu ter recusado.”
As opiniões do filósofo sobre o papel da Igreja Católica na Inquisição lhe renderam críticas entre evangélicos. Olavo escreveu no Twitter em 2013 que “a entidade chamada Inquisição é uma invenção ficcional de protestantes”.
“Até mesmo na imagem popular das fogueiras da Inquisição a falsidade domina. Todo mundo acredita que os condenados ‘morriam queimados’, entre dores horríveis. As fogueiras eram altas, mais de cinco metros de altura, para que isso jamais acontecesse.”
De acordo com ele, os hereges – “menos de dez por ano em duas dúzias de países” – morriam sufocados antes que as chamas os atingissem. Criticado nas redes sociais pela afirmação, indicou uma “bibliografia mínima” sobre o assunto.
Dois anos depois, xingou Lutero e Calvino, principais líderes da Reforma Protestante. “A Igreja Católica superlotou-se de filhos da p*** ao longo dos séculos, mas a protestante já nasceu fundada por dois.”
Olavo também é associado por alguns especialistas ao tradicionalismo, doutrina seguida por ideólogos da extrema-direita que acreditam que a humanidade vive em um tempo cíclico, sendo a era de ouro aquela regida por valores tradicionais e religiosos e o período de escuridão, por progresso material e em governos democráticos ou comunistas.
Desdém pela academia e ataques a negros e gays
Olavo passou a ensinar filosofia sem jamais ter se formado academicamente nesse campo — nem em qualquer outro. Contava que aprendeu sobre o tema por conta própria ao longo de vários anos, longe das “ideologias” que cerceiam o ensino universitário.
Coordenador do curso de filosofia da PUC-PR, Geovani Moretto contou em 2016 à BBC News Brasil que conheceu Olavo quando era estudante e se admirou com sua capacidade de “debater a filosofia a partir de questões cotidianas, da política e da economia”. Depois, avaliou Moretto, ele “virou aquilo que tanto criticava: um dogmático”.
Muitas das críticas que Olavo recebia nas redes sociais tratam da maneira com que ele se refere a movimentos de negros, de mulheres e de minorias sexuais. Em um de seus livros, ele exaltou artistas negros brasileiros que “entendiam que suas remotas origens africanas tinham sido neutralizadas pela absorção na cultura ocidental” e que não ficavam “choramingando coletivamente as saudades de culturas tribais extintas”.
Em outro episódio, foi criticado ao defender que o então deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) fizesse um exame “para verificar se sua saliva não transmite o vírus da Aids”, após o parlamentar tentar cuspir em Bolsonaro na votação do impeachment.
Em resposta, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids sugeriu que o escritor fosse examinado “para verificar se sua saliva não transmite o vírus da ignorância e do preconceito”.
Amigos e família
Segundo Olavo, um dos motivos para se mudar para a Virgínia foi a hospitalidade de seus habitantes. “Os rednecks são o melhor povo do mundo”, ele contou à BBC News Brasil, referindo-se aos americanos brancos de zonas rurais, numerosos na vizinhança de sua casa em Richmond.
Outro motivo para a mudança foi o cenário no Brasil após a chegada do PT à Presidência. “Pensei: ‘Isto aqui está tão louco, tão louco, que se eu continuar aqui vou ficar louco também”, disse também, na entrevista de 2016.
Olavo recebia visitas frequentes dos filhos e dos netos — que calculava em “uns 15 ou mais” — e vivia rodeado de alunos e amigos brasileiros, entre as quais a escritora Stella Caymmi, o crítico literário Rodrigo Gurgel e o jornalista Edson Camargo.
Quando não estava nas redes sociais, via filmes, relia livros e ouvia música. Entre seus artistas preferidos, citava Heitor Villa-Lobos, Luiz Gonzaga e o americano Waylon Jennings, cantor de música country. Não gostava de samba (“uma criação do governo Getúlio Vargas, que decidiu fazer da cultura carioca um emblema da cultura brasileira”) nem de jazz (“coisa de intelectual”).
No tempo livre, gostava ainda de testar as armas da coleção. Ele dizia manter apenas uma arma para defesa pessoal (a espingarda que guarda sobre a cama) e se interessar principalmente por equipamentos de caça.
Seu xodó era um rifle austríaco Steyr Mannlicher, ideal para abater ursos. Ele contou à BBC News Brasil que, alguns anos antes, tinha viajado com o filho Pedro para o Estado de Maine, onde a caça de ursos é autorizada para controlar a espécie. “Fiquei uma semana encarapitado na árvore debaixo de chuva, no frio, e o filho da p*** do urso não apareceu”, lembrou.
O filho teve mais sucesso: o urso abatido virou um tapete na sala da casa de Olavo. Quando uma foto em que ele e o filho posavam atrás do animal morto circulou pela internet, muitos protestaram. “Eles acham lindo você comer uma vaca morta com uma martelada na cabeça ou choque elétrico numa fila de onde não pode escapar, mas você correr o risco de ir lá e matar, isso não pode”, rebateu o escritor.