A última instância da Justiça italiana vai julgar em definitivo, nesta quarta-feira, o atacante Robinho e um amigo dele, chamado Ricardo Falco. Ambos foram condenados nas instâncias inferiores a nove anos de prisão por violência sexual de grupo contra uma mulher.
Nove anos depois do episódio, ocorrido dentro de uma boate de Milão em janeiro de 2013, a Corte de Cassação de Roma, que no ordenamento jurídico italiano é equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil, vai analisar na quarta um recurso apresentado pelas defesas do jogador e de Ricardo Falco.
Os dois foram arrolados no artigo “609 bis” do código penal italiano, que fala sobre a participação de duas ou mais pessoas reunidas para o ato de violência sexual – forçando alguém a manter relações sexuais por sua condição de inferioridade “física ou psíquica”. A vítima diz que foi embriagada e abusada sexualmente por seis homens enquanto estava inconsciente. Os defensores dos brasileiros dizem que a relação foi consensual.
O crime descrito aconteceu na Sio Café, uma conhecida boate de Milão, na madrugada do dia 22 de janeiro de 2013. À época, Robinho era um dos principais jogadores do Milan. Além dele e de Falco, outros quatro brasileiros, segundo a denúncia da Procuradoria da cidade, participaram da violência sexual contra uma mulher de origem albanesa.
Amigos do jogador que o acompanhavam no exterior, os outros quatro brasileiros deixaram a Itália durante a investigação e não foram acusados, sendo apenas citados nos autos.
A vítima, residente na Itália há alguns anos, naquela noite foi com uma amiga à boate – a violência ocorreu dentro do camarim do local – para comemorar seu aniversário de 23 anos. No final desta semana, completará 32.
Ela estará presente na Corte de Cassação, sediada em Roma, para acompanhar a audiência que começa nesta quarta-feira às 6h (horário de Brasília). O julgamento será conduzido por cinco juízes da terceira seção penal do tribunal.
O advogado da vítima, Jacopo Gnocchi, que a defende desde o início do processo, acredita que a audiência não será longa. Ele não quis comentar o processo antes do julgamento, assim como os advogados Alexsander Guttieres e Giuseppe Mercurio, respectivamente os defensores de Robinho e Falco.
– Na Itália, a Suprema Corte de Cassação examina o procedimento jurisdicional empregado com o objetivo de verificar se a lei foi corretamente aplicada e se a motivação da decisão é completa e lógica. Ela não reexamina e julga os fatos, nem reavalia as provas – disse ao ge a advogada e senadora italiana Giulia Bongiorno, conhecida no país por sua atuação em casos de violência contra a mulher.
Desde que a vítima do estupro coletivo denunciou o jogador, há nove anos, a Itália viu dezenas de episódios semelhantes ganharem destaque, alguns deles envolvendo filhos de políticos. Os acusados, segundo um balanço do judiciário realizado pelo equivalente ao IBGE italiano, são majoritariamente jovens entre os 20 e 25 anos (Robinho tinha 29 anos quando foi acusado do crime).
– Seguramente, nos últimos dez anos se fala muito mais de violência contra as mulheres, e isso é bom. Dessa forma, elas entendem que não estão sozinhas e sobretudo que não são responsáveis pela violência de que foram vítimas – completa a advogada e senadora Bongiorno, ressaltando que houve – e ainda há – no país uma grande sensibilização sobre o assunto.
O processo envolvendo Robinho e o amigo brasileiro, que negam as acusações e admitem relação sexual consensual, chama a atenção pela quantidade de provas juntadas nos autos. Será uma surpresa se a suprema corte alterar o veredicto consolidado em dois tribunais inferiores.
Robinho defendia o Milan na época do episódio na boate, em 2013 — Foto: Reuters
O ge publicou com exclusividade em outubro de 2020 as interceptações realizadas contra Robinho e seus amigos com a autorização da Justiça – escutas foram instaladas até no carro que o jogador usava na Itália.
As gravações foram transcritas na sentença inicial e confirmam, segundo disse uma juíza que participou do julgamento em primeira instância, a versão da vítima de que houve violência sexual cometida por seis homens contra uma mulher que estava alcoolizada e inconsciente. “A mulher estava completamente bêbada”, disse Robinho em uma das conversas gravadas.
Vivendo no Brasil e sem clube desde que o ge revelou as intercepções do caso, o que motivou a suspensão e posterior encerramento de seu contrato com o Santos, Robinho não poderá ser extraditado para o país europeu se a sentença for confirmada na suprema corte italiana – o mesmo vale para Falco. A Constituição de 1988 proíbe a extradição de brasileiros.
Se eles continuarem no Brasil, é praticamente impossível que sejam detidos para cumprir a pena. O tratado de cooperação judiciária em matéria penal entre Brasil e Itália, assinado em 1989 e ainda em vigor, não prevê que uma condenação imposta pela justiça italiana seja aplicada em território brasileiro. Diz um trecho do primeiro artigo do tratado: “A cooperação não compreenderá a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações”.
Assim, Robinho e Falco correm o risco de serem presos somente se realizarem viagens ao exterior – não necessariamente à Itália. Para isso, o Estado italiano precisa emitir um pedido internacional de prisão que poderia ser cumprido, por exemplo, em qualquer país da União Europeia.
Outra questão é se a Corte de Cassação vai confirmar o valor da indenização de 60 mil euros (R$ 379 mil no câmbio desta semana) prevista na sentença da primeira instância. Se isso acontecer, a vítima provavelmente deverá ingressar com uma ação civil no Judiciário brasileiro para que haja reconhecimento da multa ordenada na Itália.
A primeira condenação do ex-jogador do Santos e de Ricardo Falco data de novembro de 2017. À época, Robinho jogava no Atlético-MG. Ele deixou a Itália em 2014, quando já tinha sido convocado a depor no inquérito que apurava o crime – o jogador negou a acusação, mas confirmou que manteve relação sexual com a mulher, ressaltando que ela foi consensual e sem outros envolvidos. No caso de Falco, uma perícia encontrou a presença de seu sêmen nas roupas da jovem.
No julgamento realizado na segunda instância, em dezembro de 2020, a Corte de Apelação de Milão manteve a condenação inicial de nove anos de prisão. As três juízas responsáveis pela sessão destacaram o “particular desprezo” de Robinho com a vítima, que foi “brutalmente humilhada”, e o que consideraram uma tentativa de enganar a Justiça italiana com uma “versão dos fatos falsa e previamente combinada” com os outros envolvidos.
Depois do Atlético-MG, Robinho passou por dois clubes turcos: Sivasspor e Istambul Basaksehir. Em outubro de 2020, chegou a ser anunciado pelo Santos, mas não entrou em campo pelo clube, já que teve seu contrato suspenso e posteriormente encerrado.
Entenda o caso
Na reconstituição feita pela Justiça, a vítima de origem albanesa contou que foi ao Sio Café em 21 de janeiro de 2013 para comemorar seu aniversário ao lado de duas amigas. No dia, a programação da boate era dedicada à música brasileira.
Ainda segundo o depoimento, na noite do episódio, a vítima disse que foi ao local convidada por um dos amigos do Robinho, mas que, por SMS, ele a informou que ela só deveria se aproximar da mesa depois que a mulher do jogador fosse embora.
Assim que isso aconteceu, ela e as duas amigas se juntaram ao grupo de brasileiros, que depois passou a ter também a presença de Ricardo Falco. Segundo a vítima, os brasileiros ofereceram várias bebidas alcoólicas, mas apenas ela bebia, pois uma das amigas estava grávida e a outra estava dirigindo.
Por volta de 1h30 da madrugada, as duas amigas foram embora, e uma delas se comprometeu a voltar para buscá-la. Depois de dançar com os brasileiros, sem ar e tonta, ela contou ter ido para uma área externa da boate, momento em que um dos amigos do jogador tentou beijá-la. Pouco depois, os dois foram para o camarim, onde o mesmo amigo continuou tentando beijá-la.
Robinho não poderá ser extraditado, já que a medida não está incluída no acordo entre Brasil e Itália — Foto: Thaynara Amaral
A vítima admitiu ter apenas “alguns flashes daquela noite”, acrescentando que não tinha condições de “falar” nem de “ficar em pé”. Segundo suas recordações, ela ficou no local sozinha por alguns minutos e “percebeu” que o mesmo amigo e Robinho estavam “se aproveitando” dela.
Diversas gravações de ligações telefônicas entre os acusados, feitas com autorização da Justiça, foram transcritas na sentença. Uma das mais decisivas para a condenação em primeira instância foi uma conversa de Ricardo Falco com Robinho que indicou ao tribunal que os envolvidos tinham consciência da condição da vítima.
O único dos presentes na boate em Milão que cumpriu a pena aplicada pela Justiça foi o músico brasileiro Jairo Chagas, que vive na Itália há anos e que naquela noite de 2013 tocava no Sio Café. O crime teria ocorrido no camarim dele, conforme a reconstituição feita pela Procuradoria.
Ele foi condenado por falso testemunho à justiça italiana. Em uma das gravações interceptadas, Jairo diz a Robinho por telefone que viu quando o jogador “colocava o pênis dentro da boca dela”. No depoimento, porém, o músico disse que não viu cenas de sexo naquela noite.
Entre 2018 e agosto de 2021, ele fez serviço comunitário uma vez por semana, cuidando de idosos numa casa de repouso e limpando praças e creches na região de Milão. (GE)