Campeão europeu pelo clube no dia 29 de maio e pela seleção no dia 12 de julho. Protagonista dos títulos do Chelsea na Champions e da Itália na Eurocopa em uma mesma temporada. Jorginho teve um ano mágico. O melhor de sua carreira. Mas ele quer mais. “Copa do Mundo, Premier, Copa (da Inglaterra) e Champions League? Pode ser?”
Talvez o que faça o 2021 de Jorginho ficar ainda mais marcante venha no próximo dia 29 de novembro: a Bola de Ouro. Em entrevista ao ge, o ítalo-brasileiro não escondeu que pensa no prêmio. Especialmente depois de ter conquistado o prêmio de melhor jogador da Europa pela Uefa.
– Não cabe a mim dizer se vai chegar ou não (reconhecimento), mas acredito que isso demonstraria que hoje em dia também estão dando atenção para esses outros tipos de jogadores e a importância para esses jogadores também.
“Isso seria legal como um incentivo, como um reconhecimento mesmo. É como se dissesse: ‘Estamos vendo todo mundo. Não é só os números de quantos gols’”, reiterou.
Jorginho conquistou a Eurocopa, Liga dos Campeões e a Supercopa da Europa e é candidato à Bola de Ouro — Foto: Infoesporte/ge.globo
Catarinense de Imbituba, Jorginho pode ser o primeiro jogador nascido no Brasil eleito melhor do mundo em 14 anos. O último foi Kaká, em 2007. Mas essa conquista não iria para o futebol brasileiro. O volante se mudou para a Itália com 15 anos e diz que deve tudo ao país. Mas revela uma consulta da CBF em 2016 que lhe impôs um dilema:
– Como vou dizer não? Eu cresci vendo Ronaldo, Ronaldinho e Kaká jogando. Amarelinha é amarelinha, né? Não é “nem pensei”. Também não é assim. Lógico que mexeu comigo naquele momento. Tive uma conversa com meus pais e acabei decidindo (defender a Itália). Não me sentiria bem comigo também. Me sentiria ingrato, digamos.
Qual o segredo da revolução imposta por Thomas Tuchel no Chelsea? Se pudesse votar, quem Jorginho elegeria como melhor do mundo? Quais os planos do volante para o futuro?
Confira mais respostas na íntegra da entrevista:
Jorginho, quando a temporada passada acabou, a gente ficou com aquela ideia na cabeça: “Imagina se o Tuchel estivesse desde o início…”. Agora ele está. E o time ganhou o reforço do Lukaku. A pressão aumentou?
– No Chelsea sempre tem pressão. Uma equipe como o Chelsea sempre tem pressão. Não deveríamos sentir essa pressão, deveríamos, sim, confiar no trabalho que todo mundo vem fazendo junto. Acreditar e sentir o crescimento, ter a vontade de continuar crescendo. Aí essa pressão acaba diminuindo pelo fato de que você dá o seu melhor pelo bem da equipe. Esse é a parte fundamental, na minha opinião. Quando você pode confiar no seu trabalho, na vontade que você tem de crescer e no seu trabalho, essa pressão abaixa, porque o trabalho vem sendo bem feito, e os resultados vêm.
Por que o Tuchel deu tanto certo e tão rápido?
– Eu acredito que foi uma combinação. Ele é um treinador de um nível muito alto, que tem conhecimento muito grande de futebol. Ele, como pessoa, é sensacional também. Facilita todo o processo, não só ele, como a equipe dele. Ele teve uma inteligência muito grande de ter reconhecido as características dos jogadores que tinha à disposição, identificado uma maneira melhor que a equipe poderia jogar, confiou nos jogadores e passou confiança. Passou serenidade para trabalhar, e aí os resultados chegaram.
É certo dizer que ambição maior nesta temporada é pela Premier League?
– Quando você foca em uma coisa, você acaba diminuindo em outras. Uma equipe como o Chelsea, não acredito que deva focar em uma coisa só, mas sim focar no dia a dia, no jogo após jogo, porque tem plantel e tem capacidade para chegar em todas as competições. Um exemplo: eu não ganhei nenhuma Copa da Inglaterra ainda. Por que você vai focar em uma coisa se você tem um plantel grande, com excelentes jogadores, que quem entra vem mostrando que pode jogar. Mesmo na rotatividade, o resultado chega, o nível do time não baixa. O objetivo é a cada jogo, como a gente faz a cada três dias, vai lá, dá o máximo, traz o resultado, independentemente de quem esteja à frente.
Em termos de conquistas, o que pode superar a temporada passada pra você? Só a Copa do Mundo?
– Copa do Mundo, Premier, Copa (da Inglaterra) e Champions League? Risos. Copa do Mundo é algo que bate lá em cima… mas uma Champions e uma Euro não de se jogar fora, né? Mas acredito que a Copa é algo que vai além. É o ápice. Não tenho do que reclamar, mas sempre tem um espacinho para algo mais.
E como você vê a Itália nessa corrida pela Copa? A derrota na Liga das Nações ajudou a segurar a empolgação?
– Não é favorita, não… deixa a Itália quietinha. Pode botar a França, pode botar todo mundo de favorito. Falem deles! Mas é claro que, depois do que a Itália fez na Euro, é difícil passar despercebido, mesmo que eu prefira que falem dos outros e deixem a gente. É inevitável, a gente perdeu um jogo depois de 37. Perdemos um jogo com um homem a menos, contra a pior equipe que você pode ter de frente quando tem um homem a menos, que é a Espanha. Já é difícil pelo fato da posse de bola, e aí você fica com um homem a menos, mas tem que analisar a derrota em si. Foi um jogo que… sinceramente, dentro de campo minha sensação era, na Euro, “meu Deus, esse cronômetro não passa”. Eles realmente foram melhores, tiveram a bola, criaram muita dificuldade para a nossa equipe. E eu não senti essa dificuldade nesse jogo (Liga das Nações). Estava bem mais equilibrado, bem intenso. Aí episódios acontecem e acabam decidindo jogos desse nível. A derrota também tem que ser analisada e tem os lados positivos dessa derrota. Logo depois você pega a primeira do ranking (Bélgica) e ganha de novo. Alguém pode falar que a Liga das Nações não vale nada, mas você pega nas seleções de alto nível, não tem “não vale nada”. Você está sentindo. Acredito que a Itália, pela sombra, pode continuar falando de todo mundo aí, a Itália vai continuar dando orgulho para o país.
Você está nervoso para a Bola de Ouro? Está na expectativa?
– Vou falar bem a real, estou tentando não criar tanta expectativa. Lógico, não vamos ser hipócritas de dizer que não penso, porque é impossível, né? Mas eu tento não focar muito, não criar tanta expectativa, porque ou pode ser uma coisa que você já esperava, e talvez a alegria não seja aquela explosão, ou você cria tanta expectativa, e a decepção é bem maior. Então eu tento buscar esse equilíbrio de deixar um pouco de surpresa.
“Se acontecer… caramba, aconteceu! Se não acontecer, não tenho nem do que reclamar! Olha para trás e como vai ser ingrato e querer reclamar de alguma coisa?”
– Eu recebi esse outro prêmio, de melhor jogador na Uefa, que foi um reconhecimento muito bacana, incrível mesmo. Para não criar tanta expectativa, eu olho para trás para poder manter esse equilíbrio, ficar com o pé no chão, aí meu foco fica em outras coisas.
O quão mais difícil é um volante ser reconhecido em prêmios como esse?
– É muito gratificante, e isso quer dizer somente que o trabalho que eu tento fazer, que eu dou melhor de mim, é reconhecido, mas o meu trabalho como volante não seria reconhecido porque a equipe funcionou. Por isso que meu trabalho vem sendo reconhecido porque todos fizeram bem. E o meu trabalho é ajudar a todos fazerem bem. A máquina funcionou. O meu trabalho vem sendo bem feito porque a máquina toda vem funcionando.
“A minha função é realmente ajudar a todos, do goleiro ao atacante. Quando o atacante pressiona o meu goleiro, eu sou o primeiro a dar o pique e ajudar para ele ter uma opção de sair da pressão. Sou o primeiro a tentar ajudar o atacante quando ele perde a bola, e a gente tem que ir na pressão de novo”
– Na minha posição, é o coletivo. Não existe o Jorginho. O Jorginho sem o time não seria nada. É realmente o futebol, né? Ser reconhecido assim, a palavra é “muito gratificante”. É muito legal.
Você acha que falta esse reconhecimento para um jogador coletivo, que só vai triunfar se realmente o time estiver funcionando bem?
– Não cabe a mim dizer se vai chegar ou não (reconhecimento), mas acredito que isso demonstraria que hoje em dia também estão dando atenção para esses outros tipos de jogadores e a importância para esses jogadores também. Isso seria legal pelo fato de que todos esses jogadores, como um incentivo, como um reconhecimento mesmo. Diria: “Estamos vendo todo mundo. Não é só os números de quantos gols”. Por esse lado, seria bacana.
Você chegou a ser capitão da Itália recentemente. Se votasse no The Best, do Fifa, votaria em quem para ser o melhor do mundo na temporada passada?
“Eu sou o primeiro, não precisa nem dos outros dois! Jorginho! Tá louco?!”
Mas não pode…
– Como não pode?! Lógico que pode! Eu ia meter o louco lá e ia meter JORGINHO.
Infelizmente não pode votar nem você e nem ninguém da seleção italiana. É a única regra que tem nessa votação.
“Ah… no Kanté, talvez. Eu ficaria entre Kanté e De Bruyne, são dois jogadores completamente diferentes por características, mas são dois jogadores que vem demonstrando muito, e que admiro. Que vejo jogar e me dá prazer ver jogar. É um futebol bonito. Mas depois do Jorginho!”
Já imaginou qual poderia ser a reação do Kanté se você contasse que votou nele? Como ele poderia reagir a isso?
– Deixa eu pensar! Eu não pensei nisso. Ele ia falar assim… ah, merci, merci, merci.
– Muito! Muito. Aquilo que vocês veem, é ele mesmo. Ele é muito tímido. Você brinca com ele, ele… agora, vou falar: não aposta com ele! O que ele tem de tímido, ele tem de malandro.
O Pogba já falou que ele gosta de roubar no jogo de carta…
– Muito! Não é só no jogo de carta, não, sinuca, bola, qualquer aposta, ele que meter a mão.
Mas vocês apostam quem vai fazer mais desarme no jogo?
– Aí você quer perder, né? Vai apostar com o Kanté isso?! Tá de sacanagem!
No seu discurso para receber o prêmio de melhor da Europa, você fez questão de agradecer também àqueles que não acreditavam em você. Por que você lembrou deles?
– Porque eles fazem parte da minha carreira, e porque foi graças a eles também que eu tive a motivação de querer melhorar. Por que esquecer deles naquele momento? Porque no fim me ajudaram. Foi difícil? Doeu? Sim. Mas no fim, me ajudaram. E eu não esqueço de quem me ajuda. Ao invés de guardar mágoa, rancor, olhei o lado positivo da coisa. Obrigado por terem me ajudado! A me motivar, a continuar trabalhando mais e mais e para provar que estavam errados. Simples.
Jorginho fala da emoção de ver a Itália feliz e revela ligação de Edu Gaspar em 2018 que o balançou
Você consideraria que o futebol brasileiro, de uma maneira em geral, não acreditou em você?
– Não, generalizar assim é muito. Eu não tive oportunidade. Querendo ou não, tive oportunidade e não passei no teste. É preto no branco. Não passei, não deu certo, talvez foi um momento infeliz. Talvez era para ser assim. O que eu não poderia era ter virado as costas para a Itália depois quando me chamaram, porque eles me abriram as portas e me acolheram. É um país que eu amo. É só isso. Não é que viraram as costas para mim. Não, eu tive oportunidade, não deu certo, beleza. Segui por esse caminho, talvez era para ter sido assim, e no momento que a Itália veio, eu também não podia fechar as portas, porque eles abriram para mim.
Como foi o contato da CBF, do Edu, em 2016 com você? Você alguma vez já se sentiu em dúvida ou arrependido depois de ter escolhido defender a Itália?
– O Edu (Gaspar, ex-diretor de Seleções da CBF) me ligou. Eu já tinha ido na seleção sub-21 da Itália. A seleção brasileira era algo que já estava longe, eu já tinha passado pela seleção de base da Itália.
“Mas assim que o Edu me ligou, é lógico que mexeu comigo. Como vou dizer não? Eu cresci vendo Ronaldo, Ronaldinho e Kaká jogando. Amarelinha é amarelinha, né? Não é “nem pensei”. Também não é assim. Lógico que mexeu comigo naquele momento”.
– Tive uma conversa com meus pais e acabei decidindo. Não me sentiria bem comigo também, me sentiria ingrato, digamos. Um país do tamanho da Itália, que acolheu, me abraçou, um país que eu amo. Por quê? Eu não ia ficar bem comigo mesmo. Tudo que faço é para eu ficar com minha consciência tranquila também. Então, foi bem simples assim, digamos. Não tão simples, mas bem claro para mim. Foi claro, não simples.
Você ainda tem bons anos pela frente de futebol profissional, mas tem um perfil de liderança e gosto pela tática. Pensa em ser técnico?
– Minha mãe, meu pai, minha irmã falam: ‘Você vai ser treinador e pronto, porque você tem o dom’. Acredito, sim, que tenho isso, de conseguir me explicar bem. Talvez as coisas mudem, mas hoje eu não pretendo ser treinador. Para ser treinador, você deixa muito mais sua vida do que jogador. Vou seguir no futebol, porque pretendo dar oportunidades a crianças, como eu tive. Eu gostaria só de retribuir o que recebi. Meu sonho é esse. É o que penso hoje. Vamos botar aí mais 10 anos de carreira, tomara, mas hoje é isso.
Qual o próximo passo da sua carreira no futebol? Pensa em jogar em outra liga?
– Não tenho nem como fazer projeto! É impossível. Você está no auge, ali no Chelsea, tem que estar muito focado, pensando só aqui. Aí não tem como fazer projeto. Pretendo ganhar sábado, e continuar jogo após jogo como falei. (Globo Esporte)