O saber é uma obra coletiva, pois ninguém criou algo do zero. Em Sartre, especialmente no “O Existencialismo é um Humanismo”, vê-se que o conferencista (a obra reproduz a conferência proferida em 1946, objetivando explicar a corrente de pensamento filosófico existencialista) não está sozinho, mas acompanhado de Jaspers e Marcel, do existencialismo cristão, e de Heidegger que, assim como ele, ateu.
Atento ao fato de que o ideal filosófico não é doutrinar, mas algo que possibilite que se tirem conclusões racionais sobre determinado assunto, libertando-nos dos costumes, mitos etc., Sartre provoca inquietação em seus ouvintes do pós-guerra, buscando do espanto, uma admiração.
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Da contextualização de sua fala e escrita, percebe-se que Sartre não busca resultado prático, mas o esclarecimento da questão existencialista ao abordar e refutar, de início, as várias acusações dirigidas ao existencialismo. Enumera-as: quietismo, com a consequente filosofia contemplativa, burguesa, portanto (acusação dos comunistas); acentua a ignorância humana, expondo o sórdido e negligenciando o belo, o lado luminoso da natureza humana; e na ótica cristã, acusam os existencialistas de negar a realidade e a seriedade dos empreendimentos humanos, suprimindo os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade.
Registra, de início, que por existencialismo se deve entender uma doutrina que torna a vida humana possível, declarando que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana.
No existencialismo se percebe não haver contradição (diferente de contrariedade) na realidade, no homem em concreto, mas somente no raciocínio. E se há contradição no raciocínio existencialista, esta supera as vertentes cristã e ateia, ancorando-se tão somente em preconceitos fundamentalistas, tanto religiosos quanto metafísicos.
As acusações em face do existencialismo, penso, provêm muito mais da astúcia que da inteligência (usando, em contradição, o próprio pensamento agostiniano), visto não resistirem à dialética. As premissas são falsas na medida em que os interesses que as fundamentam são obscuros e paradoxais, tanto de religiosos quanto de comunistas, apesar de que Sartre tentará salvar-se como aliado destes últimos.
Após equalizar e indicar precisamente os pontos em que a doutrina existencialista é atacada, Sartre define como ponto comum entre os existencialistas cristãos e ateus o fato de que a existência precede a essência, ou seja, é preciso partir da subjetividade.
E como explicar o primado da existência? Sartre se socorre da realidade circundante, não do homem, mas dos objetos, em que a essência precede a existência. Por exemplo, ao olhar para o corta-papel, de antemão conhecemos sua utilidade e objetivamente apreendemos sua essência. Antes mesmo daquele corta-papel ser produzido, vale dizer, ter existência física, sabemos tudo quanto necessário para fabricá-lo assim como para qual finalidade servirá. Temos a essência antecedendo a existência.
Se assim o é nos objetos sem subjetividade, no homem, ao contrário, é a partir da existência que se formará a essência. Até então é um nada, e sua essência se formará a partir da realidade que viverá.
Objeta que a ideia da antecedência da essência se pode encontrar em Diderot, Voltaire e até em Kant. Nestes, o homem seria possuidor de “uma natureza humana; esta natureza humana, que é o conceito humano, se encontraria em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal, o homem (…). Assim, mais uma vez, a essência do homem precede essa existência histórica com que nos deparamos na natureza”.
A essência do homem, dentro deste conceito universal, já seria conhecida de Deus, como criador. Logicamente, tal reflexão filosófica está longe de fazer coro com o pensamento existencialista de Sartre.
Para o existencialismo ateu, ainda que Deus não exista, há um ser cuja existência precede a essência, e nessa quadra não é definido por qualquer conceito, e esse ser é o homem (a realidade humana, segundo Heidegger). O homem primeiro surge no mundo e depois se define, será aquilo que se tornar.
Um dado do mais importante para esse modo de pensar é que não há uma natureza humana (não há um Deus para concebê-la), pois, não há definição do homem, que é um nada até então. Define-se posteriormente e será aquilo que ele, homem, se tornar.
Com isso se estabelece a base (princípio primeiro) do existencialismo: o homem nada é além do que ele faz. Aqui se tem o significado da subjetividade, portanto, o homem é responsável pelo que é.
No pensamento de Sartre, ‘viver é isto: ficar se equilibrando, o tempo todo, entre escolhas e consequências’.
É por aí…
*GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO (Saíto) é formado em Filosofia e Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); é membro da Academia Mato-Grossense de Magistrados (AMA), da Academia de Direito Constitucional (MT), poeta, professor universitário e juiz de Direito na Comarca de Cuiabá. E é autor da página Bedelho Filosófico (Face, Insta e YouTube).
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