Braço do inquérito policial instaurado para investigar possíveis irregularidades em negociações, envolvendo o Cruzeiro, também tem na mira a inclusão de empresários em transações de outros três jogadores. Neles, os agentes não tinham vínculos com atletas, mas receberam ou assinaram compromissos de remuneração por supostos serviços prestados.

Após abertura de inquérito, o Cruzeiro juntou aos autos, em abril, documentos e pedidos de providência criminal para investigação dos casos. Uma das linhas encabeçadas pela Polícia Civil de Minas Gerais mira a atuação da empresa Monize de Godoy Antunes Ferreira – ME como intermediária na venda do goleiro Gabriel Brazão ao Parma, da Itália, em contrato de venda assinado em 31 de janeiro de 2019.

Na mesma data, o clube mineiro (por meio do ex-vice-presidente de futebol, Itair Machado) assinou contrato com a Monize de Godoy ME, firmando “compromisso de pagamento de comissão” de 230 mil euros pelos serviços de intermediação na venda do goleiro. No contrato de venda, tanto Parma como Cruzeiro declararam que não existiam intermediários na negociação.

A empresa – hoje FFMG Assessoria Esportiva – tem como sócios os irmãos Francisco José de Godoy e Monize de Godoy Antunes. Francisco é parceiro comercial de André Cury. Segundo a Polícia Civil, o valor pela intermediação foi destinado à empresa, em 08 de julho de 2019, no valor de R$ 987.101,01, por meio de transferência bancária. Nem a empresa e nem os sócios tinham ou têm relação com Brazão.

Gabriel Brazão em ação pelo Cruzeiro - Gustavo Aleixo
Gabriel Brazão em ação pelo Cruzeiro – Gustavo Aleixo

A empresária de Gabriel Brazão, Stephanie Figer, declarou ao ge que nunca teve contato, durante a negociação do goleiro para o futebol italiano, com os empresários ou soube da participação dos mesmos.

– Esse documento constata que nunca vi o Francisco, nunca vi Monize, nunca vi niguém. Nunca (soube da participação). Nunca apareceu, nunca fiz parceria com ele. Absolutamente nada. No relatório fala, a representante do Brazão era a Stephanie, a Stephanie que trouxe a oportunidade do Parma, e a Stephanie disse que nunca esteve com essas pessoas. É isso aí mesmo. A auditoria me fez contato, sim. E eu fiz meu depoimento. Só a auditoria que eles contrataram e que me contactou.

Perguntaram. Você fez parceria com essa pessoa? Não. Nunca soube. Nunca sentei com Francisco, Cury, Monize, nada para tratar do Gabriel. Não (nunca soube que estava envolvido).

Stephanie também manteve a mesma posição quando prestou declaração ao trabalho de investigação particular, contratado pelo Cruzeiro e que consta no relatório da Polícia Civil incluído ao inquérito. Consulta aos dados da CBF mostra que a FFMG Assessoria Esportiva está registrada na CBF. O registro é desde 2017.

– Nada de relevante. Foi tudo feito dentro da normalidade, dentro da legalidade, regularidade. Ambas as empresas estão cadastradas na CBF, tudo foi declarado. Tudo foi feito dentro das normas. Nada de mais. Tudo foi dentro das normas. Se precisar esclarecer alguma coisa, estamos à disposição. Nada (fora) da normalidade do futebol, como tem inúmeras negociações feitas por intermediários que fazem a negociação – garantiu Francisco Godoy ao ge.

O empresário foi questionado sobre a declaração de Stephanie Figer e sobre qual foi sua atuação na negociação da venda de Brazão. Assim ele respondeu:

– Isso até me chamou a atenção, porque todos sabem como funcionam as negociações. Muitas vezes, não diretamente o agente, mas sim o intermediário faz as negociações. Não necessariamente o agente faz as negociações. Trabalhei o atleta e ponto. Como? Eu trabalhei o nome do atleta. Com alguns clubes da Europa. Tudo foi de forma regular, tudo declarado, tudo CBF. Tudo recolhido imposto. Tudo dentro da normalidade. Se não tivesse, nem teria feito. Transito em vários clubes do Brasil, não tem porque fazer um negócio fora do trivial do futebol.

Brazão permanece no futebol italiano. Os contratos, tanto de venda como de compromisso de pagamento de comissão, foram assinados por Itair Machado, ex-vice do Cruzeiro. Brazão também foi um dos jogadores incluídos pelo Cruzeiro no contrato com o empresário Cristiano Richard, indiciadopor crimes de falsidade ideológica e documental pela Polícia Civil, após as denúncias divulgadas pelo Grupo Globo, no programa Fantástico, em maio de 2019.

ATUAÇÃO DE INTERMEDIÁRIOS COM O CRUZEIRO

Em 2018, o Tupi fez campanha de destaque no Campeonato Mineiro, chegando às semifinais. Dois jogadores chamaram a atenção do Cruzeiro: o lateral Patrick Brey e o atacante Renato Kayzer. Nas negociações da dupla com a Raposa, a Polícia Civil investiga se ocorreram fraudes nos contratos (assinados por Itair Machado em nome do Cruzeiro) e desvios de recursos dos cofres cruzeirenses, que beneficiariam ex-dirigentes e empresários.

Pela contratação dos atletas, o clube mineiro firmou compromisso de pagamento de comissão com dois intermediários: RW Martins Assessoria Esportiva e JNV Assessoria Esportiva (ambas incluídas como investigadas na abertura do inquérito). Cada empresa receberia R$ 100 mil. No caso de Renato Kayzer, ainda teriam direito a 5% de uma venda futura.

Negociações envolvendo Renato Kayzer e Patrick Brey no Cruzeiro - Arte/ge
Negociações envolvendo Renato Kayzer e Patrick Brey no Cruzeiro – Arte/ge

Na prática, quem agenciava a carreira dos dois atletas eram os empresários Anderson Franciscon e Vinícius Nascimento. Os dois não aparecem nos contratos. Ambos não possuíam, na época, cadastro como intermediários na CBF e utilizaram a empresa RW Martins, representada nos contratos pelo empresário Luiz Taveira Martins e o filho Thiago Limeres Martins, também agente de futebol.

– Nem era empresário deles. Tanto que não sou empresário do Brey. Eu sou só empresário do Renato e virei posterior a isso legalmente. Eles eram os empresários dos meninos (Franciscon e Nascimento). Porém, eles não tinham empresa cadastrada, eram meus amigos e registraram na minha empresa. Nós somos amigos, aquela época eles estavam iniciando, e a gente tinha sim um vínculo de parceria. Eles pediam que eu registrasse o Brey e o Renato pela parceria que a gente tinha. Era uma parceria formal, tá bom? Mas até eles conseguirem ter a empresa deles. Não (não tinha contrato). Era na amizade.

Parte do que deveria receber do Cruzeiro pela intermediação – R$ 47.965 mil – foi quitada. A outra parte está em discussão no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Patrick Brey e Renato Kayzer (de coletes laranja) em treino pelo Cruzeiro - Vinnicius Silva
Patrick Brey e Renato Kayzer (de coletes laranja) em treino pelo Cruzeiro – Vinnicius Silva

A empresa RW Martins não possui informação do quadro de associados na base aberta da Receita Federal. No entanto, a empresa tem como representante Raíssa Willmersdorf Manoel Martins, filha de Luiz Taveira. As informações constam na petição inicial do processo movido pela RW Martins contra o Cruzeiro.

Com a JNV Assessoria Esportiva, o Cruzeiro também firmou dois contratos de compromissos de pagamentos, ambos em 22 de maio de 2018. O valor deveria ser pago em quatro parcelas, com a primeira vencendo em junho de 2018. Essa segunda empresa não possui registro de intermediário na CBF.

Segundo documentos apresentados pelo Polícia Civil, no inquérito, os R$ 50 mil foram pagos à JNV entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019. A empresa foi alvo de busca e apreensão em 30 de abril de 2021, em Bauru, interior de São Paulo. Foram recolhidos quatro aparelhos celulares, um computador e contratos efetuados pela empresa. Josivaldo Ferreira Queiroz, conhecido como Joyce no mundo do futebol, ainda não foi chamado para prestar depoimento.

Segundo a defesa da JNV, que peticionou a exclusão do empresário do inquérito, Josivaldo teria sido acionado pelo Cruzeiro para realizar a intermediação da contratação de Renato Kayzer, a pedido do ex-diretor de futebol do clube, Marcelo Djian. Os dois foram companheiros na base do Corinthians. Djian nega.

– Quem fez os contatos, tudo, foi o Itair. Não (nunca pedi para Joyce intermediar negócios). Eu apenas o recebi na minha sala, porque ele já tinha jogado comigo. E mais nada. Quem decidia, quem assinava era o Itair. Era um ex-colega. Eu conheço ele, teve na minha sala do Cruzeiro, mas quem fez tudo foi com o Itair. Ele tinha contato direto com o Itair. Não tenho direito ciência (de como ele participou). Só sei que ele apareceu junto com mais um empresário de um jogador – afirmou Djian ao ge.

Josivaldo teria sido chamado para ajudar a facilitar o negócio que também envolvia o Vasco, então dono dos direitos econômicos do jogador. A intenção era fazer com que o Cruzeiro não tivesse custos para contratar Kayzer. Na negociação, o Vasco rescindiu com Renato Kayzer e ficou com 30% dos direitos de uma venda futura. O Cruzeiro ficou com 60%, enquanto a JNV e a RW Martins teriam direito a 5%, cada uma, do valor da venda futura.

Renato Kayzer foi vendido ao Athletico-PR, ano passado, por cerca de R$ 5 milhões. As duas empresas afirmam que não receberam o repasse do percentual que teriam direito.

RENATO KAYZER E PATRICK BREY FORAM À POLÍCIA CIVIL

Em 26 de novembro do ano passado, Renato Kayzer prestou depoimento à Polícia Civil do Paraná, a pedido da Polícia de Minas. Ele afirmou que Anderson Franciscon e Vinícius Nascimento eram seus representantes à época do acerto do Cruzeiro. Ainda disse que os dois mantinham parceria com Taveira.

Sobre Josivaldo, Kayzer disse que conhecia o agente, mas que desconhecia a participação da empresa JNV e que não recebeu e nem repassou nenhum valor a ele. O meia ainda confirmou que recebeu aumento salarial no Cruzeiro.

O aumento é outro ponto de investigação da Polícia Civil. O contrato do Cruzeiro com o atacante previa que o salário de R$ 30 mil pularia para R$ 50 mil em caso de atuar por cinco partidas consecutivas como titular pelo Cruzeiro e, em todas elas, por pelo menos 45 minutos.

Kayzer sequer foi titular do Cruzeiro, mas recebeu o aumento salarial em 2019, conforme ele mesmo confirmou em oitiva à Polícia Civil. Ele ainda disse que atingiu a meta prevista no contrato. O que não ocorreu.

Renato Kayzer em atuação pelo Cruzeiro - Vinnicius Silva
Renato Kayzer em atuação pelo Cruzeiro – Vinnicius Silva

Em 04 de janeiro deste ano, Patrick Brey prestou esclarecimentos à Polícia Civil de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Ele afirmou que Josivaldo estava no momento da assinatura do seu contrato com o Cruzeiro, mas que não o conhecia. Luiz Taveira afirma que prestou depoimento à Polícia Civil e que mantém bom relacionamento com a Raposa.

– Eu vi a notícia, fui até a delegacia competente, isso já faz um bom tempo isso, depois de prestar depoimento. Fui diretamente para oferecer o Copete, ele (Cruzeiro) não quis. Temos bom relacionamento e pronto. Não tenho absolutamente nada a falar.

Os valores da negociação, onde o Cruzeiro pegou jogadores livres, que até hoje o Cruzeiro não pagou. Pegou o jogador de graça, a parte do Cruzeiro foi de R$ 2,7 milhões. Conseguimos parar numa investigação deixando para o clube 30 vezes mais dinheiro daquilo que ele nos deve. Tinha a porcentagem do Vasco, a comissão, e não foi pago – disse Taveira ao ge.

WAGNER PIRES E ITAIR MACHADO SE PRONUNCIAM

Sobre a investigação policial, a defesa do ex-presidente da Raposa, Wagner Pires, se pronunciou ao ge.

– São fatos requentados e que já foram investigados no inquérito anterior e que foram apresentados agora. Lamentavelmente, o Cruzeiro tomou rumos de páginas policiais. Não é só uma questão jurídica, tem toda uma paixão que envolve o clube. O Wagner ainda não foi citado para apresentar a defesa. O inquérito está na delegacia para finalizar o segundo relatório da investigação – apresentou o advogado do ex-presidente do Cruzeiro, Romeu Rodrigues.

A defesa de Itair Machado, que ainda aguarda chamado para prestar depoimento e esclarecimentos, também comentou sobre o novo inquérito instaurado.

– A alegação do senhor Itair Machado é que, na maior parte das questões que se encontram neste novo inquérito, nada mais é do que matérias requentadas do inquérito anterior. O que de novo poderia surgir que não seria matéria do inquérito anterior? Mas o senhor Itair Machado continua à disposição da Justiça, da Polícia Civil e da Corregedoria – disse Bruno Agostini, advogado do ex-dirigente do Cruzeiro.

O Cruzeiro também foi procurado, mas não se manifestou depois do contato da reportagem. Com o caso sob sigilo de investigação, a Polícia Civil de Minas Gerais informou que os trabalhos investigativos estão em andamento no Departamento Especializado de Combate à Corrupção e a Fraudes. Segundo a corporação, demais informações serão prestadas após a conclusão do inquérito. (Globo Esporte)