Outra negociação investigada dentro do inquérito policial instaurado, em março deste ano, pela Polícia Civil (clique aqui e saiba mais), é a contratação por empréstimo, em janeiro de 2019, por parte do Cruzeiro do lateral colombiano Orejuela, hoje no São Paulo.
A suspeita inicial, apontada pela Polícia Civil, é que houve fraude contratual em alguns dos acordos durante a negociação. Há registro de contratos com datas de 2018, período anterior à chegada de Orejuela ao Cruzeiro. As negociações envolvem o ex-presidente do clube, Wagner Pires de Sá, o ex-vice de futebol, Itair Machado, e empresários do mundo da bola.
PAGAMENTO DUPLO POR COMISSÃO E DATA SUSPEITA
O Cruzeiro firmou dois compromissos de intermediação para a chegada do jogador à Toca. Um (com a assinatura do ex-presidente Wágner Pires) com o empresário André Cury e a empresa Link Assessoria, datado de 04 de janeiro de 2019, a mesma em que o clube assina vínculo com o jogador. Com a Link Assessoria, o Cruzeiro acertou que o agente teria direito a 10% de uma futura venda do lateral.
Outro acordo foi com a empresa Pro Futebol Assessoria Administrativa Ltda, cujo sócio é o empresário Roberto Rappa. O documento chamou a atenção da Polícia Civil por estar datado de 04 de janeiro de 2018, retroativo um ano antes à contratação do lateral colombiano. Ambas as empresas foram alvo de busca e apreensão por causa da investigação.
No contrato com a Pro Futebol, o Cruzeiro (representado por Itair Machado no documento) se compromete a pagar R$ 234 mil em sete parcelas (cada uma de R$ 33.485,71). Cinco foram pagas e duas estão em atraso. No acordo, entretanto, a data do primeiro pagamento é de 10 de fevereiro de 2019, bem como a vigência do acordo (de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2019). Posteriores à data do contrato.
AS NEGOCIAÇÕES COM O CRUZEIRO
Na negociação, quem atua em nome da Pro Futebol é o empresário Guilherme Prado. Ele teve estadias e passagens aéreas pagas pelo Cruzeiro para estar em Belo Horizonte no início de janeiro de 2019, junto com um dos agentes de Orejuela, para concretizar o negócio com o clube mineiro.
Prado afirma que ofereceu Orejuela ao Cruzeiro, por ter ciência da necessidade de o clube contratar um lateral direito. Assim, fez contato com o agente German Parra Bustamente, com quem esteve em Belo Horizonte para efetivar a negociação.
Prado não possuía relação formal com a Pro Futebol, nem procuração para atuar pela empresa na negociação. Apenas um acordo verbal, segundo o empresário. De acordo com ele, a sugestão do nome de Orejuela chegou por meio de um amigo, que tinha amizade com um dos agentes do jogador.
– Todo mundo do futebol sabia (da necessidade de o Cruzeiro contratar um lateral direito). O Cruzeiro só tinha o Edilson e buscava alguém para a reserva. Um amigo meu, chamado Arthur (Lacerda), tinha amizade com o German Parra, agente colombiano, e ele me ofereceu o jogador. Na época, eu trabalhava em parceria com a Pro Futebol. Beto me deu a chance de trabalhar para ele e com ele. Apesar de eu estar à frente deste negócio, tudo foi sempre tratado entre nós dois, afinal ele era o chefe e o dono da empresa. (A empresa) participou o tempo todo. Foi a Pro Futebol quem fez a negociação. Essa questão é um erro tão primário que é como se apenas o dono da empresa pudesse fazer todos os negócios – afirma Prado ao ge.
Por sua vez, André Cury apresentou diálogos que seriam dele com Itair Machado, ex-vice-presidente de futebol do Cruzeiro. Eles estão datados de 16 e 28 de dezembro de 2018. Segundo Cury, o nome de Orejuela já vinha sendo monitorado desde 2016, através de um parceiro que o agente mantém na Colômbia.
Na primeira data, entre 20h33 e 21h25, o empresário envia que Orejuela está na Europa e viria por empréstimo. Mas, uma resposta não é apresentada. Na segunda, André Cury pressiona Itair a trocar de intermediário na negociação por Orejuela.
– Tô triste com você, ofereço um monte de jogadores e tudo não…você sabe que o único que pode trazer mastigado isto para você e de confiança, sou eu. Você nem parece mais meu amigo. Não me dá moral… Nós já estivemos na Colômbia com o presidente do clube, com agentes, jog (jogador) etc. Itair, não é mais fácil você deixar uma comissão para esse cara (Jean) e você deixar eu operar. Beijo.
Em uma sequência de mensagens, Itair responde:
– Você nem imagina o respeito e a admiração que tenho por você. Vamos falar amanhã e resolver. Fique tranquilo.
No mesmo dia, André Cury envia nova mensagem:
– Eu sei mais (sic) vê se compomos, por que (sic) os caras na Colômbia estão achando que eu tinha exclusividade e não trabalhei. Isto não é verdade. Depois eu já tenho um acordo com o pres (presidente), jog (jogador). Tudo pronto e parcelado. Amanhã falamos.
Itair finaliza a conversa:
– Vamos compor, sim. Resolvemos amanhã.
Em declaração enviada ao ge, a defesa de André Cury apresentou a versão sobre como o lateral chegou à carteira do empresário e completou:
– André Cury já intermediou a vinda de mais de 70 atletas estrangeiros, inclusive vindos do futebol colombiano, tais como: Guerra, Yerry Mina, Cantillo, Dylan Borrero, Ivan Angulo, Seijas e também do atleta Orejuela – recebeu as informações do seu agente e já vinha trabalhando com o atleta desde 2016. Em 2018, ofertou ao Cruzeiro, conforme documento disponibilizado a esta reportagem.
Em dezembro de 2018, André Cury ofertou o Orejuela ao Cruzeiro, que manifestou interesse em sua contratação. André Cury tem relação de longa data com Roberto Rappa. Perguntada sobre a Pro Futebol e Guilherme Prado, a defesa de Cury confirmou que ele possuía boa relação com ambos, citando que conheceu Prado nas negociações da chegada de Orejuela ao Cruzeiro.
– André mantém boa relação comercial com Roberto Rappa, inclusive mantém parceria com determinados atletas. André Cury conheceu Guilherme Prado na ocasião da intermediação do Orejuela e, a partir daí, se tornaram parceiros comerciais em algumas intermediações. Eles, inclusive, cuidaram, a pedido do Cruzeiro em 2020, das tratativas que culminaram na transferência do atleta ao São Paulo. Posteriormente, foi surpreendido com a informação na imprensa de que o Cruzeiro estaria negociando o atleta por meio de outros intermediários. Como André Cury foi o responsável por iniciar as tratativas, houve composição da comissão com os demais intermediários.
Em entrevista ao ge, Guilherme Prado disse ter conhecido André Cury apenas em agosto de 2020, quando passou a tratar de uma possível venda de Orejuela para outro clube. Em declaração por escritura, em 17 de maio do ano passado, disse que, pelo fato de André Cury ter oferecido primeiramente Orejuela ao Cruzeiro, houve composição entre ele, Cury e os empresários colombianos na intermediação pelo empréstimo de Orejuela ao Cruzeiro.
Na declaração, Guilherme afirma que ele e os empresários colombianos receberam os R$ 234 mil, “além de comissão referente a luvas” no valor de R$ 180 mil. Este último valor referente ao contrato de “direitos de imagem” e não de luvas.
– Ele tinha oferecido o jogador ao Cruzeiro antes, mas o Cruzeiro estava tentando um outro nome. Quando eu ofereci e nas condições que eu ofereci ficou viável. Era um jogador que viria sem custo de empréstimo e por salário muito baixo se comparado aos que o Cruzeiro pagava. Quando conheci o André foi justamente para acertar essa situação (composição), porque como ele tinha oferecido o jogador antes ficou acertado entre ele e o clube que ele teria prioridade de venda caso ele viesse a ser comprado, o que acabou acontecendo em 2019. Por isso que eu e ele atuamos na tentativa de venda ao Grêmio – disse Guilherme Prado ao ge.
Sócio da Pro Futebol, Roberto Rappa não atuou efetivamente na negociação, mas é a partir da sua empresa que as notas fiscais são emitidas para o recebimento dos valores, por parte de Guilherme Prado e os empresários colombianos, presentes nos contratos com o Cruzeiro.
Rappa e André Cury foram alvo de sequestro de valores dentro da investigação e permanecem com quantias bloqueadas. As defesas tentam reverter bloqueios remanescentes.
O apontamento inicial da Polícia Civil é que não houve participação efetiva de André Cury e Roberto Rappa. Segundo relatório preliminar da Polícia Civil, ficou comprovada apenas a participação do brasileiro Guilherme Prado e dos colombianos José Velasco Tamayo e Germán Alberto Parra Bustamente. Os dois últimos empresários de Orejuela, da empresa Aster Sports.
LATERAL TEVE DIREITOS NEGOCIADOS A EMPRESÁRIO
A Pro Futebol também firmou contrato com Orejuela para adquirir os direitos de imagem do atleta. A data é de 04 de janeiro de 2019. Orejuela cede o direito de utilização de imagem à empresa de Roberto Rappa por dois anos.
Em vínculo datado de 04 de dezembro de 2019, mas que, na verdade, seria de 04 de janeiro de 2019, Cruzeiro (representado por Itair Machado) e Pro Futebol (Roberto Rappa) assinam acordo, em que o clube pagaria R$ 180 mil em duas parcelas (com a primeira a ser paga em 15 de fevereiro de 2019). O valor era pela “outorga nos direitos de exploração de imagem de Orejuela”. Por sua vez, na escritura de declaração, Guilherme Prado disse se tratar de luvas.
A advogada de Roberto Rappa – sócio da Pro Futebol -, Rubia Frois, declarou ao ge que o empresário ainda não foi ouvido na investigação para prestar esclarecimentos. Ela ainda disse que instaurou procedimento defensivo no inquérito e que vem colaborando com a investigação. Reafirmou ainda que todos os serviços firmados foram prestados (leia a nota completa no fim da matéria):
– A Pro Futebol Assessoria Administrativa LTDA, por intermédio da defesa, sobre os fatos suscitados, esclarece que Roberto Rappa e Guilherme Prado atuaram de forma conjunta à época, prestando serviço de intermediação para trazer o lateral Orejuela sem custo de empréstimo ao Cruzeiro, no ano de 2019, num trabalho junto ao Ajax e aos agentes do jogador. Resultado de negociação fartamente documentada entre a empresa e representantes do clube, o serviço foi efetivamente prestado e deu ao Cruzeiro a oportunidade de ter em campo um jovem e promissor atleta, em ótima relação custo benefício
LATERAL FOI NEGOCIADO COM O SÃO PAULO
Em documento com data em 01 de agosto de 2019, assinado pelo ex-presidente do clube (Wagner Pires de Sá), o Cruzeiro, mesmo antes de efetivar a compra de Orejuela, firmou um novo contrato de trabalho com o jogador, já prevendo a compra no fim do ano.
Com o rebaixamento e a impossibilidade de custear os salários previstos no novo contrato com o colombiano, o clube realizou o empréstimo ao Grêmio. No fim do ano passado, com a proximidade do término do empréstimo ao Tricolor, o Cruzeiro iniciou negociações para a venda do lateral direito com o time gaúcho.
Guilherme Prado atuou, representando o Ajax, na negociação, que acabou malsucedida, por um desacordo na forma de pagamento e cessão de direitos. Antes, chegou à Raposa, por meio de Guilherme Prado e André Cury, uma proposta superior a do Grêmio vindo do Atlético-MG por Orejuela. O valor era próximo a 5 milhões de euros. Foi negada.
Após os insucessos, o Cruzeiro conseguiu negociar Orejuela com o São Paulo. A negociação com o São Paulo gerou um desgaste entre Cruzeiro e Ajax, já que o clube holandês considera que teria direito a parte do valor da venda. Os clubes não entraram em acordo.
Pela venda de Orejuela, André Cury teria direito a 10% do valor, conforme contrato firmado com o Cruzeiro anteriormente. Segundo a defesa do empresário, não houve pagamento ainda deste valor.
Questionada como foi a atuação do agente, a defesa de André Cury afirma que ele foi acionado pelo Cruzeiro para atuar em nome do clube na tentativa de venda de Orejuela. Assim, procurou Guilherme Prado para estabelecer contato com o clube holandês.
– Em novembro de 2020, André Cury se reuniu com o Sr. André Argolo (dirigente do Cruzeiro) e com o diretor de futebol André Mazzuco e, a pedido do Cruzeiro, André acionou o intermediário Guilherme Prado para estabelecer contato com Ajax, a fim de negociar o atleta. Inicialmente foi ofertado ao Grêmio e posteriormente ao São Paulo Futebol Clube. Após as tratativas iniciadas em novembro de 2020 e finalizadas em de março de 2021, sob comando de André Cury e Guilherme Prado, o Cruzeiro transferiu os direitos federativos e econômicos ao São Paulo Futebol Clube por cerca de 2 milhões de euros.
Ex-diretor de futebol do Cruzeiro, André Mazzuco chegou ao clube apenas em janeiro deste ano e não participou da negociação com o Grêmio. Somente esteve à frente do negócio com o São Paulo. Em contato com o ge, Mazzuco disse que teve contato apenas com Guilherme Prado na venda ao São Paulo, já que o agente representava o Ajax, na ocasião.
WAGNER PIRES DE SÁ E ITAIR MACHADO SÃO INVESTIGADOS
Sobre a investigação policial, a defesa do ex-presidente da Cruzeiro, Wagner Pires, se pronunciou ao ge.
– São fatos requentados e que já foram investigados no inquérito anterior e que foram apresentados agora. Lamentavelmente, o Cruzeiro tomou rumos de páginas policiais. Não é só uma questão jurídica, tem toda uma paixão que envolve o clube. O Wagner ainda não foi citado para apresentar a defesa. O inquérito está na delegacia para finalizar o segundo relatório da investigação – apresentou o advogado do ex-presidente do Cruzeiro, Romeu Rodrigues.
A defesa de Itair Machado, que ainda aguarda chamado para prestar depoimento e esclarecimentos, também comentou sobre o novo inquérito instaurado.
– A alegação do senhor Itair Machado é que, na maior parte das questões que se encontram neste novo inquérito, nada mais é do que matérias requentadas do inquérito anterior. O que de novo poderia surgir que não seria matéria do inquérito anterior? Mas o senhor Itair Machado continua à disposição da Justiça, da Polícia Civil e da Corregedoria – disse Bruno Agostini, advogado do ex-dirigente do Cruzeiro.
O Cruzeiro também foi procurado, mas não se manifestou depois do contato da reportagem. Com o caso sob sigilo de investigação, a Polícia Civil de Minas Gerais informou que os trabalhos investigativos estão em andamento no Departamento Especializado de Combate à Corrupção e a Fraudes. Segundo a corporação, demais informações serão prestadas após a conclusão do inquérito.
A Pro Futebol Assessoria Administrativa LTDA, por intermédio da defesa, sobre os fatos suscitados, esclarece que Roberto Rappa e Guilherme Prado atuaram de forma conjunta à época, prestando serviço de intermediação para trazer o lateral Orejuela sem custo de empréstimo ao Cruzeiro, no ano de 2019, num trabalho junto ao Ajax e aos agentes do jogador. Resultado de negociação fartamente documentada entre a empresa e representantes do clube, o serviço foi efetivamente prestado e deu ao Cruzeiro a oportunidade de ter em campo um jovem e promissor atleta, em ótima relação custo benefício. Esclarece ainda que nem os empresários nem os profissionais envolvidos foram ouvidos no procedimento investigativo e ainda não foram oportunizados a esclarecer à autoridade, sobre as negociações e os contratos firmados com o clube. A defesa já procedeu a instauração de procedimento de investigação defensiva no inquérito em trâmite e vem colaborando com apresentação dos documentos necessários de modo a corroborar com a justiça e comprovar a ausência de fato característico de ilícito penal no que concerne a contratação formalizada entre as partes Pro Futebol e Cruzeiro. (Globo Esporte)