O Espião Estatístico passa a contar a história dos jogos do Campeonato Brasileiro a partir do indicador de Expectativa de Gol (xG), consolidado no mundo de análise de dados do futebol. Em vez de olharmos somente para o número de finalizações que cada equipe produziu na partida (quantidade), o xG nos diz também sobre a qualidade das chances criadas, dando pesos a diversas características dos chutes, como distância e ângulo em relação ao gol. Quanto mais centralizado e de perto das traves, maior a chance de uma finalização entrar no gol. Veja a metodologia no final do texto.
A expectativa inicial era de que o Cuiabá chegaria à primeira rodada do segundo turno com no máximo 23 pontos, no entanto, cravou 27 e chegou à oitava colocação, surpreendendo as projeções (veja mais sobre isso abaixo).
O futebol é o esporte em que o acerto é mais raro (neste caso o gol) e isso faz com que nem sempre o placar final de uma partida seja condizente com a performance das equipes em campo. A primeira imagem mostra a diferença entre a performance (expectativa) e os resultados (realidade) de pontos de todos os jogos disputados até aqui neste Brasileirão.
A expectativa seria de que Atlético-MG, Flamengo e Fortaleza estivessem disputando a liderança com dois pontos de diferença entre eles, mas a realidade é muito diferente, com o Atlético-MG abrindo uma vantagem de sete pontos para o Palmeiras.
Pontuação no Brasileirão: veja quem pontuou mais ou menos que a expectativa após a rodada 20 — Foto: Espião Estatístico
Para chegarmos no quadro acima, utilizamos a Expectativa de Pontos (xP). Com base nas características das finalizações feitas na partida, calculamos primeiro o xG de cada conclusão, para depois calcularmos a probabilidade de cada resultado (vitória, empate e derrota) de cada equipe. Em seguida, determina-se a pontuação que cada equipe poderia ganhar dado seu desempenho. Por fim, multiplicamos as probabilidades de cada resultado pelos pontos definidos para cada resultado (três se vitória, um se empate e zero se derrota). Parece complicado e realmente dá trabalho.
Tomado o primeiro jogo da rodada como exemplo, entre América-MG e Athletico-PR, foram feitas 10 mil simulações de cada finalização da partida para se definir as probabilidades de cada resultado ocorrer a partir das chances criadas. O América-MG teve 65% de chances de vencer (0,65 x 3 = 1,95) e 25% de empatar (0,25). A Expectativa de Pontos do América-MG contra o Furacão foi a soma desses dois resultados: 2,20 xP, enquanto a realidade foi receber os três pontos da vitória.
América-MG (1,51) 2-0 (0,43) Athletico-PR
América-MG x Athletico-PR: veja a evolução do xG no jogo — Foto: Espião Estatístico
Enquanto o América-MG produziu uma expectativa de gol de 1,51 xG, o Athletico-PR finalizou apenas sete vezes contra a meta do Coelho e produziu 0,43 xG. A finalização com maior perigo de gol foi a de Erick, nos primeiros 15 minutos da partida com valor de 0,21 xG – praticamente metade do que o Furacão produziu no jogo inteiro.
Os mapas de passes das duas equipes no primeiro tempo mostram que foi o lado direito que o América-MG preferiu atacar e foi justamente naquela parte do campo que saíram os dois gols no segundo tempo que garantiram o favoritismo do Coelho contra a equipe paranaense.
Mapa de passes do 1º tempo em América-MG x Athletico-PR — Foto: Espião Estatístico
Juventude (1,35) 1-2 (0,48) Cuiabá
Se no jogo que abriu a rodada o placar foi condizente com a performance apresentada pelas equipes, a história é outra no confronto entre Juventude e Cuiabá. A equipe visitante só finalizou três vezes contra a meta de Marcelo Carné, mas conseguiu balançar as redes duas vezes (uma com um gol contra) e produziu uma expectativa de gol menor de 0,48 xG.
Já o Juventude desperdiçou oportunidades no primeiro tempo e construiu outras chances muito por conta de sair atrás do placar duas vezes e produziu o suficiente para marcar 1,35 gol.
Juventude x Cuiabá: veja a evolução do xG na partida — Foto: Espião Estatístico
No primeiro tempo, o Juventude teve mais a posse de bola e conseguiu trocar passes mais próximo do gol adversário e optando por construir jogadas mais pelo lado esquerdo. Já o Cuiabá, apesar de ter ficado menos com a bola, conseguiu preencher bem os espaços entre seus jogadores.
Mapa de passes do 1º tempo de Juventude x Cuiabá — Foto: Espião Estatístico
Bragantino (1,53) 1-2 (1,56) Chapecoense
O indicador de expectativa de gol indica equilíbrio no confronto entre Bragantino e Chapecoense, com ambas as equipes produzindo um pouco mais de 1,5 gol cada. Boa parte desse equilíbrio se deve ao pênalti convertido pelo Massa Bruta. Esse tipo de finalização é o que tem a maior probabilidade em ser convertido em gol. Dos 895 pênaltis cobrados e coletados pelo Espião Estatístico desde 2013 em Campeonatos Brasileiros, 682 balançaram a rede (ou 76,2% das vezes).
Bragantino x Chapecoense: veja a evolução do xG no jogo — Foto: Espião Estatístico
Santos (0,85) 0-0 (1,52) Bahia
Se na realidade o placar não saiu do zero, o indicador de expectativa de gol sugere que o Santos produziu um pouco menos de um gol (0,85 xG) enquanto o Bahia criou 1,52 xG. Destaque para a finalização desperdiçada de Rodriguinho nos últimos segundos de jogo dentro da pequena área (quando a linha cinza no gráfico abaixo sobe no minuto 90).
Santos x Bahia: veja a evolução do xG no jogo — Foto: Espião Estatístico
Chama a atenção também no gráfico acima a linha preta do Santos imóvel no primeiro tempo, dado que não finalizou antes do intervalo. Isso se contrasta com a posse de bola do mapa de passes abaixo. Ou seja, o time da Vila Belmiro ficou com a bola na maior parte do tempo, mas não conseguiu transformar isso em oportunidades de gol.
Santos x Bahia: veja o mapa de passes no 1º tempo do jogo — Foto: Espião Estatístico
Grêmio (1,13) 2-0 (0,42) Ceará
Mais um jogo em que a performance foi condizente com o resultado. O Grêmio foi superior ao Ceará nas chances criadas segundo o indicador de expectativa de gol (1,13 xG contra 0,42 xG). Depois dos dois gols marcados, a equipe mandante controlou a partida, deixando de produzir oportunidades, mas ao mesmo tempo não sofreu investidas perigosas do Vozão.
Grêmio x Ceará: veja a evolução do xG no jogo — Foto: Espião Estatístico
A superioridade do Grêmio na partida também pode ser vista nos mapas de passes abaixo, com o Grêmio trocando passes bem mais avançado que o Ceará quando teve a posse de bola.
Palmeiras (0,45) 1-3 (0,45) Flamengo
Apesar de quatro bolas terem balançado as redes, o indicador de expectativa de gol que considera a qualidade das finalizações feitas na partida mostra poucas boas oportunidades criadas. O Flamengo foi eficiente e marcou três gols dos nove chutes que deu, número bem menor que a média de 16,4 finalizações por jogo antes do confronto contra o vice-líder do campeonato.
O Palmeiras também finalizou nove vezes, porém de locais ainda com menor probabilidade de gol (mais distantes do gol). Sete chutes foram de fora da área e os dois de dentro da área (inclusive o gol de Wesley) foram feitos de locais menos centralizados em relação à trave adversária. Além da distância do chute, o ângulo da finalização também importa.
Palmeiras x Flamengo: veja a evolução no xG do jogo — Foto: Espião Estatístico
Os mapas de passes das equipes no primeiro tempo mostram um certo equilíbrio na quantidade de passes trocados entre os jogadores do Palmeiras. Já o Flamengo insistiu muito pelo lado direito de Everton Ribeiro com apoio de Isla, mas as melhores oportunidades vieram do lado oposto com o jogador mais avançado em média na figura abaixo: Michael.
Palmeiras x Famengo: veja o mapa de passes do 1º tempo da partida — Foto: Espião Estatístico
Fortaleza (1,28) 0-2 (1,17) Atlético-MG
Apesar da vitória do líder Atlético-MG, o indicador de expectativa de gol indica equilíbrio nas oportunidades criadas pelas equipes. O Fortaleza teve duas grandes oportunidades de dentro da pequena área ainda no primeiro tempo (quando a linha preta do gráfico sobe com maior inclinação). Todavia, das 15 finalizações do time de Vojvoda, 11 foram de fora da área e consequentemente elas tem um valor esperado menor de serem convertidas em gol.
Fortaleza x Atlético-MG: veja a evolução do xG no jogo — Foto: Espião Estatístico
Atlético-GO (0,94) 1-1 (0,54) Corinthians
O jogo entre Atlético-GO e Corinthians foi muito disputado na zona intermediária do campo como sugerem os mapas de passes das equipes mais abaixo. Isso fez com que até o minuto 40 as equipes não produzissem praticamente nada em termos de boas oportunidades. O Corinthians, depois do gol marcado por Gabriel Pereira tentou se defender (linha cinza imóvel após o gol) e acabou tomando o gol de empate no final do jogo, momento em que o Dragão mais produziu na partida.
Atlético-GO x Corinthians: veja a evolução no xG do jogo — Foto: Espião Estatístico
Fluminense (0,82) 2-1 (1,15) São Paulo
O Fluminense confirmou seu favoritismo contra o São Paulo, que por sua vez, pouco produziu na partida se descontarmos o pênalti convertido por Reinaldo. Assim como no jogo entre Atlético-GO e Corinthians, os 40 primeiros minutos se passaram com pouquíssimas emoções.
Fluminense x São Paulo: veja a evolução do xG no jogo — Foto: Espião Estatístico
Os mapas de passes sugerem que o jogo foi muito disputado na zona intermediária do campo no primeiro tempo. Pelo lado do tricolor paulista, Luciano e Pablo foram pouco acionados. Já pelo lado do tricolor carioca, os jogadores de frente precisaram recuar para receber a bola. Coincidentemente, a jogada do gol que garantiu a vitória do Fluminense acontece com esses jogadores recuados gerando um contra-ataque.
Fluminense x São Paulo: veja o mapa de passes no 1º tempo da partida — Foto: Espião Estatístico
Você pode encontrar os gráficos e análises dos demais jogos da rodada ao longo da semana no Twitter do Espião Estatístico.
Metodologia
O indicador de “Gols Esperados” ou “Expectativa de Gols” (xG) é uma métrica consolidada na análise de dados que tem como referência mais de 78 mil finalizações cadastradas pelo Espião Estatístico em mais de 3 mil jogos de Brasileirões desde a edição de 2013. São consideradas a distância e o ângulo da finalização em relação ao gol, a parte do corpo utilizada para concluir, se a finalização foi feita de primeira ou foi ajeitada antes do chute, assim como a origem do lance, se a partir de um cruzamento, falta direta ou de uma roubada de bola). Também são levados em conta o valor de mercado das equipes em cada temporada a partir de dados do site Transfermarkt, o tempo de jogo e a diferença no placar no momento de cada finalização.
Para esta edição do Brasileirão, o desempenho de um jogador passa a ser comparado com a média para a posição dele, seja atacante, meia, volante, lateral ou zagueiro, e passamos também a considerar o que se esperava da finalização se feita com o “pé bom” (o direito para os destros, o esquerdo para os canhotos) e para o “pé ruim” (o oposto). Foram identificados os ambidestros, que chutam aproximadamente o mesmo número de vezes com cada pé.
Como exemplo, de cada cem finalizações da meia-lua, apenas sete viram gol. Então, uma finalização da meia-lua tem expectativa de gol (xG) de cerca de 0,07. Cada posição do campo tem uma expectativa diferente de uma finalização virar gol, que cresce se for um contra-ataque por haver menos adversários para evitar a conclusão da jogada. Cada pontuação é somada ao longo da partida para se chegar ao xG total de uma equipe em cada jogo.
*Economista parceiro da equipe do Espião Estatístico, que é formada por: Bruno Murito, Guilherme Maniaudet, Guilherme Marçal, Leandro Silva, Mateus Pinheiro, Roberto Maleson e Valmir Storti. (Globo Esporte)