Aí o sujeito se anima. Reúne os amigos, faz grupo de WhatsApp, compra bandeira, camiseta, boné, adesivo, fitinha e corneta. Fim de semana, churrasco para o esquenta.
Aluga um ônibus para os patriotas. Mas não é qualquer ônibus. É daqueles leitos, espaçosos, com exaustor no banheiro. O sujeito faz a matula, arruma as malas, vai à Brasília e filma tudo. Emociona-se. Delira entre buzinas.
O gigante acordou, o Brasil, Deus e o Presidente acima de tudo e todos. Paga lanche, paga gasolina, paga barraca. Cinco reais pra defecar num banheiro químico, um crime de lesa-pátria. Minar, mija-se na grana. É tudo nosso. Somos nós quem pagamos. Etc. Deixa estar. O mito resolve…
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No dia seguinte, calor na moleira. Carnaval? Nunca. É a independência. Protocolo. Praxe. Ritual. O sujeito canta o hino nacional, o hino da bandeira, o hino dos escoteiros, bate continência ao vento, cospe em direção do tribunal, do congresso e da sucursal do São Paulo Esporte Clube. Lesado pelo sol, chora de ufanismo.
Vem, golpe cívico! Vem, exército redentor! Vem, Polícia Militar! Plinio Salgado, essa é pra você! Nilton Cruz, você era o cara! Metralhadora, bazuca e tanque. Ele quer armar-se. No mínimo, três automáticas, saliva o guloso.
Agora vai! Força, Brasil! Ame-o ou deixe-o. Pátria, família e propriedade. Foda-se a máscara. Foda-se a vacina. Foda-se o índio. Foda-se o gay. Foda-se o cabelo black power. Foda-se essa mulherada que não se depila, talkey? Volta, Rodrigo Maia. A gente ama te odiar.
Vídeos circulam no celular. Horas de vídeos. O camarada contabiliza milhões e milhões de novos irmãos em marcha. Nas ruas. Nas praias. Na paulista do afrescalhado Dória. Chupa, Dória! Somos a força. Supremo é o povo. Careca, tua hora tá chegando…
Vai ter bloqueio. Vai ter invasão. O país precisa de ordem. Olha a bandeira, tá escrito lá. Ordem e progresso. Não vou? Juntos somos mais fortes. Enfim, o dia chegou! Mas aí… o líder se retrata… Desmobiliza… Fraqueja… Emite notinha? Que viadagem é essa?
O sujeito volta pra casa deprimido. Cinco camisas da seleção e duas cuecas. Tudo em vão. Não fala com os amigos durante a viagem. Em frente ao espelhinho do banheiro, chora. De raiva. De decepção. De burrice. Tudo bem? Vamos fingir que sim.
Olha o funcionário na empresa e faz um muxoxo. Olha para os filhos com aquela cara de merda. Não quer a mulher. Não quer a amante. Não vai à pelada do bairro. Nao vai ao culto. Deixa a Bíblia de lado. Pega a Bíblia de novo. Jó: tenta decifrar. Sofrer tem mistério. Pena. Que pena. Não foi dessa vez.
Os moinhos de vento venceram o Quixote brasileiro. O sujeito chega em casa, tira a gravata e abre uma caracu, traumatizado com a fatura da gasolina. A conta é mais dolorosa que benzetacil. Quase dormindo, depois de rezar, pergunta a Deus de Malafaia – Por que, Senhor? Por que me abandonaste?
*EDUARDO MOREIRA LEITE MAHON é advogado e escritor em Mato Grosso; ex-presidente da Academia Mato-Grossense de Letras (AML). Idealizador e diretor da revista Pixé.
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CONTATO: www.facebook.com/eduardo.mahonii