O ginásio vereador Valdir Pereira, no Bairro Mapim, em Várzea Grande, se tornou a referência de moradia para 44 famílias que foram despejadas há sete meses de uma ocupação no Residencial Colinas Douradas, também no Município.

Em barracos improvisados no espaço, que antes tinha finalidade esportiva, mulheres e crianças vivem nos pequenos quadrados cobertos por lona e pedaços de tecido.

O espaço de cada um também é delimitado e respeitado. Para chamar os “vizinhos”, as pessoas batem palma na porta das casas improvisadas.

Todos no ginásio acabaram formando uma grande comunidade desde a ocupação do residencial, como contam Estefani Pereira Silva, de 28 anos, e Blenda Caroline Campos Pereira, de 26.

“Sempre nos ajudamos, quando uma não tem um arroz, a outra ajuda, quando um gás acaba e precisamos cozinhar alguém sempre empresta. É assim que vivemos”, diz Blenda.

A maioria das pessoas que estão vivendo no ginásio não possui renda ou conta apenas com R$ 250 do Bolsa Família.

Estefani tem cinco filhos, sendo que o mais novo, de apenas seis meses, já nasceu sem saber o que é uma casa de tijolos e concreto. Ela lamenta que o dinheiro do benefício não chega ao final do mês.

“Tenho esse dinheiro e recebemos um sacolão da Prefeitura de Várzea Grande. Tenho duas crianças que usam fralda, três que tomam leite. Consigo comprar uma caixa de leite e algumas verduras. Carne aqui dentro é luxo”, diz a mãe.

Por conta do valor do gás, também não é sempre que ela consegue comprar um botijão.

Na maioria das vezes, Estefani cozinha com álcool.

As vezes meu pai me ajuda, não é sempre, conforme vai dando consigo bicos e vou guardando o que dá. Se acabar o gás antes, fica sem gás. Já fiquei aqui um bom tempo cozinhando no álcool

“Desde cedo na luta, sei fazer bastante comida. Mas quem quer comprar algo de pessoas que vivem nessa situação? Todo mundo menospreza, olha com cara de nojo”, diz ela enquanto aponta para o barraco.

Dez dias de sol e chuva

Quando foi despejada do Residencial Colinas Douradas, Estefani estava grávida de quatro meses. Acabou tendo parto prematuro aos sete meses pela necessidade de buscar água sozinha em baldes no vestiário do ginásio, explica.

No dia do despejo, em 16 de dezembro do ano passado, 160 policiais militares e 50 policiais federais participaram da ação.

Estefani relata que não tinha para onde ir. Por isso, mesmo grávida, dormiu por quase dez dias em frente ao ginásio.

“No primeiro momento, eles colocaram apenas nossos pertences dentro do ginásio, mas nós ficamos na calçada. Só entramos quando começou a chover e nos filmaram com crianças na chuva. Foi desumano”, lembra.

Reprodução/Bruna Barbosa

Ginásio VG

Quando foi despejada do residencial, Estefani estava grávida de quatro meses

Os dias no residencial Colinas Douradas foram de alívio para Estefani e os filhos. Como tinha moradia, conseguia fazer salgados para vender tanto entre os vizinhos, quanto nos pontos de ônibus de Várzea Grande.

Com o dinheiro, eles conseguiam se manter. A situação de vulnerabilidade financeira não é novidade na vida de Estefani.

“Sempre vivi de bico, fazia bolo, pudim, vendia salgado.. Já trabalhei em ponto de ônibus vendendo salgado. Me viro do jeito que dá, não tenho vergonha de falar. Para não deixar faltar comida para os meus filhos, faço qualquer coisa”, diz.

No entanto, a fase no residencial Colinas Douradas durou pouco para ela. A reintegração de posse no conjunto habitacional aconteceu três meses após ela se mudar para lá.

Vida no ginásio 

Morar no ginásio Vereador Valdir Pereira não é fácil, conforme conta Blenda. Por conta da cobertura, nos dias de calor, a temperatura é ainda maior.

Nos dias de frio, as crianças chegam a chorar por conta da falta de agasalhos e cobertores.

“Quando venta, o vento é muito forte, principalmente no meu barraco, que fica na entrada. Sofremos muito, no calor e no frio. Na semana passada [quando Mato Grosso bateu recorde de frio], os filhos choravam”, lamenta a jovem enquanto aponta para o bebê nos braços da “vizinha”.

Blenda, Estefanie e os outros moradores dependem de doações para sobreviver.

De acordo com elas, a maior necessidade é de fraldas e leite para as crianças.

“Resistimos só pela fé em Deus mesmo. Ficamos tristes de vez em quando, 120 pessoas já desistiram. Mas, hoje se eu for para a casa da minha família, eles estão numa situação pior que eu. Tenho quatro filhos e minha mãe mora em uma casa de duas peças”, conta Blenda.

A jovem sequer consegue mensurar qual é sua renda mensal. Na última semana, com o pouco que conseguiu, garantiu algumas verduras e uma caixa de ovos para a família.

“Eu não tenho Bolsa Família, não consegui auxílio emergencial… Como o Governo está selecionando então? Se eu não preciso, quem está precisando?”, questiona.

Reprodução/Bruna Barbosa

Ginásio VG

Blenda perdeu o emprego de garçonete por conta de cortes na pandemia e tem quatro filhos

Pandemia sem medidas de prevenção 

Como vivem aglomerados, os moradores não conseguem manter o isolamento social, por exemplo. A medida é prioritária para contenção da Covid-19.

Por conta disso, vários casos da doença surgiram entre eles com a chegada do coronavírus.

“Pandemia aqui? É Deus. Enquanto todo mundo está tomando medidas de isolamento, enquanto o mundo fica dentro de casa, estamos aqui aglomerados. Não tem como prender a criança nesse quadrado minúsculos por meses”, explica Blenda.

Apesar das contaminações de Covid-19, nenhuma morte foi registrada entre eles.

“Tudo que fazemos aqui é praticamente em grupo. O banheiro é nos vestiários e de uso comum. Temos o álcool e graças a Deus as pessoas aqui estão se cuidando. Até porque não saímos daqui mesmo”, diz a jovem.

Blenda trabalhava de garçonete, mas no início da pandemia perdeu o emprego.

Ela explica que até mesmo arrumar um novo trabalho sem uma moradia é difícil, já que a situação em que vive não é vista com bons olhos pela sociedade.

“Acham que estamos aqui porque somos preguiçosas, mas nós queremos trabalhar. Eu quero muito um emprego, poder viver com dignidade, pagar um aluguel”, lamenta.

Obra parada

A entrega do Residencial Colinas Douradas I e II, do programa “Minha Casa Minha Vida”, é uma promessa para população que se arrasta desde 2012.

O residencial deveria ter sido concluído em 2018.

De acordo com antigos moradores, eles foram retirados do local sob a justificativa de retomada das obras, que seguem paradas.

Eles também alegam que todos possuem cadastro no Minha Casa Minha Vida, mas ainda não foram contemplados com uma casa própria.

“Você vê pessoas com trabalho, servidores públicos sendo sorteados em casas para pessoas de baixa renda. Depois colocam para alugar ou vendem. Quando morava em Cohab, a proprietária passava de Land Rover para buscar o aluguel”, conta Blenda.

Nessa semana, o governador Mauro Mendes assinou um m termo aditivo de aproximadamente R$ 15 milhões para a retomada e conclusão das obras de construção de 2.794 unidades habitacionais nos municípios de Várzea Grande, Sinop e Lucas do Rio Verde, entre eles o Residencial Colinas Douradas.

Apesar da nova promessa, o futuro dos moradores do ginásio ainda é incerto.

“Tenho esperança que eles ainda vão dar a minha casa, já me inscrevi no sorteio, fui pré-aprovada mas ainda não tive a chance. Tenho fé que vou conseguir”, sonha Blenda.

 


com informações do mídia news