No Plano da Villa do Cuyabá, em original manuscrito pertencente à Casa de Ínsua, Castendo Portugal “in” Nestor Goulart Filho, imagens de vilas e cidades do Brasil colonial, já apareciam sete fontes de água que delimitavam o urbano da cidade.

 

Mas eram no mínimo sete as fontes da Vila Real, referendando a localização do sítio urbano às seculares recomendações lusitanas quanto às boas águas.

 

Essas fontes balizaram a expansão da vila até a virada do século, contornando a Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá, sendo (…) a Sudoeste, a “detrás da Matriz” ou “da Matriz”, no Vale da Cruz das Almas (atual Generoso Ponce); a Sudeste, a do Mundéu, atraindo habitações na costa oriental do Prainha; a Nordeste, a do Tanque do Arnesto, puxando a ocupação (mesmo que rala) pelos aclives da morraria onde depois foi erguida a Capela/Igreja de N. Sra. do Rosário/São Benedito; e a Noroeste, as da Mandioca, favorecendo a ocupação da parte mais central da Vila, conforme explicita Carlos Alberto Rosa.

Essas mesmas fontes, também, receberam nomes de pessoas, tais como, a do Ernesto, a de Maria Corrêa, na Paragem chamada Prainha, em 1781 referida como Bica, a do Mundéu, a junto de Feliciana Gomes, a junto a Manuel da Silva, a da Mandioca e a detrás da Igreja.

No ano de 1790 se “ irigu hu chafaris no largo que fica para cá da ponte do Rozario conduzindo-se ágoa para a mesma bica denominada o arnesto e principiou a correr a mesma ágoa no chafaris no fim de agosto cuja obra he a mais útil, e bem comum do povo”. Esse era o Chafariz do Rosário, localizado mais ou menos onde hoje está o Morro da Luz, alimentado pelas águas da Fonte do Ernesto, trazidas por meio de tecnologia gravitacional para dentro da cidade, num aqueduto, conforme Prospecto da Villa do Bom Jesus de Cuiabá, em acervo do Museu Botânico Bocage, em Lisboa (1790).

 

A de Maria Corrêa seria a da (no sentido de rua da margem esquerda do córrego Prainha; a do Mundéu seria na parte leste do atual terminal Bispo D. José; as duas juntas – de Feliciana e Manuel – e a da Mandioca estavam as três no circuito da atual Praça do Conde de Azambuja; e a detrás da igreja, ou da Matriz; era na atual Isaac Póvoas, fronteira à atual Praça Rachid Jaudy e, nos séculos XIX e XX passou a ser a Cacimba do Soldado.

 

Em 1750, um visitante oficial apontava apenas duas fontes na Vila Real, ambas na margem oriental do córrego Prainha: (…) na raiz do mesmo monte [da Capela de Nossa Senhora do Bom Despacho] nasce uma fonte d’água que, suposto seja clara, e mais pesada e crua que a de outra, que há na fralda do segundo monte, que nasce turva duma cor branca, porém mais delgada e diurética: ambas estas fontes são as que há para o uso da povoação.

 

Essas sete fontes podem, porém, ter sido oito, pois onde hoje está a Santa Casa da Misericórdia parece ter existido uma oitava fonte que, na segunda metade do século XIX alimentaria o tanque do largo da Conceição. Essa possibilidade decorre de pequenos indícios gráficos do “Plano” de 1777 e da planta de 1786.

 

Segundo Rosa, as sete Fontes da Vila Real referendam a adequação do sítio urbano às seculares recomendações lusitanas quanto “as boas águas”. O Rossio da Vila era praticamente delineado pelos rios Cuiabá, Coxipó Mirim e Coxipó Açu. (…) Com as sete Fontes ficava a Vila ponteada de aguadas. As fontes da Vila Real delimitavam a área mais densamente edificada da vila. Durante cerca de um século e meio elas foram fundamentais, para abastecer com água potável os moradores da vila e da cidade, como se verá no próximo capítulo.

 

Os mananciais de água potável da margem esquerda do Prainha, mais escarpada, tornaram-se, a partir de fins do século XVIII, decisivos fornecedores de água potável à vila, inclusive por meio de aquedutos.

 

No pós-guerra do Paraguai a vida urbana da cidade de Cuiabá foi intensificada, incentivada pelo aumento de fluxos de capital e créditos. Inclusive as manifestações artísticas coletivas, tais como: teatro, danças, circos, ginastas, passaram a ter sua dimensão econômica ressaltada (sociedades por ações rendendo dividendos, etc.).

 

O decreto 4388, de 1869, que na prática isentou de impostos durante dez anos as atividades de importação e exportação, como se viu, certamente foi fator decisivo nessa intensificação. Quando em 1882 foram inauguradas as obras de urbanização e paisagismo na antiga Praça Real, que passou a ter o nome de Jardim Alencastro, reafirmava-se esse espaço urbano como espaço do poder.

 

E introduzia-se nele um novo tipo de atualização do poder, a tecnologia, que trazia ao centro da cidade águas potáveis do rio Cuiabá, os chafarizes.

 

Em 1868 o governo provincial estimulou por meio de lei a construção de um chafariz no Largo do Ipiranga, a ser alimentado pelas águas de manancial existente na “parte superior da Travessa do Vilas Boas, atual Generoso Ponce.

 

Em 1871 o governo provincial construiu “um reservatório d’água no antigo quintal do Maranhão”, bem como um aqueduto para alimentação do chafariz do largo da Conceição, atual praça Bispo Dom José, ou simplesmente Praça Bispo, que custou aos cofres da Província o valor de 7:989$ 630 réis, no governo do Dr. Francisco José Cardoso Júnior.

 

Para conhecer a evolução do abastecimento de água em Cuiabá leia Água de beber, no espaço urbano de Cuiabá (1790-1886) e Bicas, Fontes e Chafarizes, de autoria desta jornalista.

 

Neila Barreto é jornalista.