Está declarada a guerra entre a atual direção da Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol) e o grupo político que mandou na instituição desde sua fundação, em 2002, até 2016, quando Felipe Augusto Leite foi eleito presidente.

Três ex-presidentes do sindicato estão sendo acusados formalmente por Leite de desviar dinheiro da entidade. São eles: Rinaldo Martorelli, Alfredo Sampaio e Ivo Amaral. Os três negam as acusações, que foram formalizadas ao Ministério Público do Trabalho.

O atual presidente afirma que, entre 2012 e 2013, época em que Martorelli dirigia a entidade, houve uma série de transferências da conta da Fenapaf para contas pessoais de Martorelli e para terceiros supostamente indicados por ele, no valor total de R$ 792 mil. Também teria ocorrido um depósito em 2016 no valor de R$ 400 mil.

Procurado pelo ge, Martorelli afirmou que nunca foi responsável pela administração financeira da Fenapaf.

– Tudo o que foi pago na Fenapaf durante o período em que fui presidente [2011-2016] sempre cumpriu os trâmites administrativos, e aqui cumpre esclarecer que todas as contas foram auditadas e aprovadas em assembleia, inclusive as contas foram aprovadas por ele, conforme as atas.

A íntegra da resposta está ao final deste texto.

Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas de SP — Foto: ge

Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas de SP — Foto: ge

Martorelli é presidente do Sindicato dos Atletas de São Paulo (Sapesp) desde 1993. No mês passado, o ge revelou que ele recebe um salário de R$ 50 mil mensais, estipulado por ele próprio, além de ter autorizado o pagamento de um bônus para ele mesmo de R$ 3,5 milhões em 2020 e de ter empregado o próprio filho como diretor jurídico do sindicato. A reportagem motivou a reação de vários jogadores em redes sociais.

Felipe Augusto Leite também cobra a devolução de verbas, segundo ele, enviadas “sem qualquer rubrica que justifique a transação” para os sindicatos de Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Para cada um desses sindicatos, de acordo com Leite, a Fenapaf transferiu R$ 1,5 milhão em maio de 2020. Nessa época, o diretor financeiro da Fenapaf era Jorge Ivo Amaral, ex-presidente do sindicato do Rio Grande do Sul, que confessou ter desviado R$ 10 milhões de atletas gaúchos.

Os repasses foram feitos da mesma maneira: R$ 1 milhão no dia 20 de maio de 2020 e R$ 500 mil no dia seguinte, 21 de maio de 2020. Felipe Augusto Leite enviou e-mails para os sindicatos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul cobrando a devolução do dinheiro. Mas não foi atendido.

Alfredo Sampaio, presidente do Sindicato dos Atletas do Rio de Janeiro, afirmou que “o Saferj recebeu aporte para ser aplicado em projetos, como determinado por lei, assistências e benefícios para a categoria”. Sampaio acrescenta que “quanto a não prestação de contas, ela deve ser feita quando solicitada, se a Fenapaf não fez o seu papel, não poderia fazer denúncia neste sentido”. A íntegra da resposta está ao final deste texto.

Alfredo Sampaio, presidente do Sindicato de Atletas do Rio — Foto: Luis Miguel Ferreira

Alfredo Sampaio, presidente do Sindicato de Atletas do Rio — Foto: Luis Miguel Ferreira

O e-mail enviado ao Sindicato do Rio Grande do Sul teve como destinatário o atual presidente, Gabriel Schacht. Ele assumiu depois que Jorge Ivo Amaral e Paulo Mocellin, que se revezavam na presidência do sindicato gaúcho, foram afastados como consequência de uma investigação do Ministério Público do estado. Jorge Ivo Amaral e Paulo Mocellin não foram encontrados pela reportagem.

Numa entrevista por telefone, Schacht evitou defender seus antecessores no cargo, mas atacou Felipe Augusto Leite, o presidente da Fenapaf.

– Esse é uma guerra de um bando de caras que vive do mesmo sistema, na qual infelizmente quem perde são os atletas. Não existe devolver esse dinheiro, porque ele era do Sindicato do Rio Grande do Sul, foi para a Fenapaf e voltou. Então essa devolução [que Felipe Augusto cobra] não existe – afirmou.

Gabriel Schacht afirma ainda que, desde que assumiu a presidência do Sindicato do Rio Grande do Sul, tem tentado recuperar a entidade.

– Uma faxina foi feita, quem estava aqui fazendo coisa errada foi expulso. Recuperamos uma parte do valor que foi desviado daqui, mas ainda estamos busca de um valor maior – disse, sem entrar em detalhes sobre os montantes.

Contas particulares pagas, site modificado

A Fenapaf contratou em fevereiro uma empresa de contabilidade dos Estados Unidos para fazer uma auditoria interna nas contas da entidade. A expectativa de Felipe Augusto é de que o relatório, que deve ser entregue dentro de um mês ou dois, traga outros indícios de irregularidades das gestões passadas. Ele diz que tem sofrido muita pressão para deixar o cargo.

– Os jogadores estão conosco, mas estamos apreensivos de que a qualquer momento possa acontecer um desastre. Estou muito preocupado com o rumo que a entidade vai levar. Sou a favor de uma intervenção do Ministério Público.

A decisão pela auditoria interna se deu especialmente por causa do escândalo de corrupção no sindicato dos atletas do Rio Grande do Sul no ano passado. A investigação do Ministério Público resultou no afastamento de Jorge Ivo Amaral também da Fenapaf.

Com isso, foi aprovada no fim de 2020 uma mudança no estatuto da Fenapaf para extinguir o Conselho da entidade, que àquela altura tinha como único membro Alfredo Sampaio, presidente do sindicato dos atletas do Rio de Janeiro, o Saferj.

Felipe Augusto Leite afirma que, embora tenha sido eleito presidente da Fenapaf em 2016, só então, em 2020, passou a ter acesso às movimentações financeiras da Fenafap. Até então, essa era uma tarefa do Conselho.

Até agora, a auditoria encontrou indícios de que contas particulares de ex-dirigentes eram pagos com dinheiro da entidade – como contas de telefone, faturas de condomínio e outras compras pessoais. Os casos mais graves seriam a aquisição de carros de luxo para uso de ex-dirigentes da Fenapaf.

Na última terça-feira, o presidente da Fenapaf e alguns jogadores e ex-jogadores (como o volante Hudson, do Fluminense, e o ex-goleiro Fernando Prass) deram uma entrevista coletiva na qual falaram sobre o assunto. Horas depois, o site da Fenapaf foi retirado do ar.

Nesta quinta-feira, o site (fenapaf.org.br) apresentava conteúdo totalmente favorável a Rinaldo Martorelli. A página da Fenapaf está registrada em nome do Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio – que é presidido por Alfredo Sampaio, um dos alvos de Felipe Augusto Leite –, o que reforçou na entidade a suspeita de que se trata de uma sabotagem.

O ge procurou o sindicato do Rio para perguntar sobre o site, mas ainda não houve resposta.

O que dizem os acusados:

Rinaldo Martorelli, presidente do Sapesp

“Eu nunca fui responsável pela administração financeira da Fenapaf. Tudo que foi pago na Fenapaf durante o período em que fui presidente sempre cumpriu os trâmites administrativos, e aqui cumpre esclarecer que todas as contas foram auditadas e aprovadas em assembleia, inclusive as contas foram aprovadas por ele, conforme as atas. Você pode aproveitar a oportunidade para perguntar ao Felipe Leite para saber por que apresentou as contas de 2017 apenas e até esta data não foram apresentadas as contas dele de 2018, 2019 e 2020. Na semana que vem ele será afastado definitivamente da Fenapaf e peça para ele explicar por que a enorme maioria dos sindicatos quer sua saída? Aproveite e pergunte se ele cumpriu o Estatuto da Fenapaf?”

Alfredo Sampaio, presidente do Saferj

“Não sei se os valores recebidos foram esses, mas o SAFERJ recebeu aporte para ser aplicado em projetos, como determinado por lei, assistências e benefícios para a categoria. Quanto à prestação de contas, ela deve ser feita quando solicitada, se a FENAPAF não fez o seu papel, não poderia fazer uma denúncia neste sentido. A verba recebida teve o destino correto, como determinado no convênio 01/2016, assinado em 1 de janeiro de 2016, e o de 01/2018, assinado em 2 de janeiro de 2018, entre Saferj e Fenapaf, ambos assinados pelo atual “presidente” da Federação. O SAFERJ recebeu no primeiro aporte R$ 281.708,37, no segundo, R$ 113.396,00 e mais R$ 11.000,00 de emergência, para realização de uma cirurgia em um atleta profissional, totalizando R$ 386.104,37, o que corresponde a 21,5% do valor citado. Importante citar, possivelmente ignorado na citação, que a FENAPAF poderia ficar com 40% dessa verba pois a lei permite uso administrativo. Sendo assim, o valor de R$ 1,8 milhão já toma outra forma”. (Globo Esporte)