Foi um daqueles jogos que confirmam boa parte dos rótulos colocados sobre times de futebol. De um lado, um jogo coletivo avassalador; de outro, as individualidades que, nem sempre, formam um conjunto harmônico. Curioso é que o Bayern x PSG foi, ao mesmo tempo, uma partida de imensa superioridade do futebol coletivo e de enorme brilho das individualidades. Só que estas precisaram de muito menos chances para converter os gols da vitória francesa. O futebol não tem fórmula pronta. A análise é de Carlos Eduardo Mansur do Globo Esporte. Confira:
Havia uma pergunta no ar: diante de uma dupla tão ameaçadora a uma defesa que joga adiantada, quase no limite do risco, que concessões faria o time alemão para lidar com Neymar e Mbappé? A resposta foi clara: nenhuma. E o duelo seguiu um roteiro imaginado, porém amplificado. O Bayern ficou 63% do tempo com a bola, passou 52% do jogo nos 30 metros de campo mais próximos do gol defendido por Navas, arrematou 31 vezes contra seis do rival e desperdiçou ao menos quatro chances claras. Mas não tinha alguns de seus homens decisivos: Lewandowski e Gnabry não jogaram, Goretzka se lesionou no primeiro tempo.
Do outro lado, as individualidades disseram presente: Navas foi soberbo, assim como Marquinhos, que jogou só meia hora até se machucar. Na frente, Neymar e Mbappé executaram com maestria o papel que se imaginava para eles diante de uma defesa que concede espaços às costas. Na temporada passada, o Bayern sofreu 35 gols em todo o Campeonato Alemão. Na atual, a sete rodadas do fim, já levou 35 e permitiu aos rivais 17% mais finalizações. O primeiro gol do PSG, obra quase inteira de Neymar, da retomada da bola ao passe, passando pela condução de bola, foi o primeiro aviso. O terceiro, de Mbappé, o golpe fatal. Os dois jogaram por um time quase inteiro porque, no duelo tático, no jogo jogado, o Bayern era bem superior. Sem Verratti e Paredes, então, o PSG perdia qualquer capacidade de respirar com a bola.
Mas vale a pena nos determos no primeiro gol, em que Neymar concebe toda a jogada. Instalou-se um debate sobre a melhor forma de aproveitá-lo na seleção, sobre o seu lugar no campo após as recentes transformações de estilo que ampliaram sua área de ação. Parece claro que seu lugar é na maior porção possível de campo. Neymar precisa ser influente no jogo, evoluiu até se tornar capaz de executar todas as funções nas manobras ofensivas de um time: criar, passar, finalizar, buscar os lados, receber pelo meio entre as linhas de marcação e girar…
Há algum tempo, o Brasil fantasia com o “camisa 10 clássico”, tenta entender por que não florescem jogadores assim, por que tantos meias são deslocados para os lados do campo ou, ainda, assiste ao surgimento ao redor do mundo de meio-campistas que jogam de uma intermediária a outra. A razão principal é que o jogo atual, com times compactos, tornou irrespirável o ar para o “’10 clássico”, aquele que tenta jogar entre volantes e zagueiros, buscar a entrada da área para ser o criador nos últimos metros de campo.
Poucos têm a capacidade de sobreviver ali: é preciso técnica, habilidade, velocidade no jogo e na tomada de decisões. Neymar, definitivamente convertido em meia ofensivo, é dos raros donos de todas estas virtudes, capaz de realizar fantasia do “camisa 10”, embora multiplique suas possibilidades com liberdade de movimentos no setor ofensivo, por vezes até recuando alguns metros para iniciar a armação. Seu lugar é influenciando em diversas fases do jogo ofensivo. Em Paris, tem em Mbappé um parceiro que, provavelmente, é o melhor do mundo acelerando para aproveitar espaços em defesas adiantadas. E os dois castigaram o Bayern.
Os alemães não abriram mão de jogar do seu modo, o PSG encomendou o destino à capacidade de resistir e seus maiores talentos. O resultado foi um confronto fascinante. (Carlos Eduardo Mansur/Globo Esporte)