Por um segundo, Sheilla pensou em voltar. A burocracia para conseguir o visto, os dias de quarentena trancada em um quarto de hotel com as filhas, o frio absurdo nas ruas do Texas.
– Eu falei: meu Deus, o que eu estou fazendo aqui?
Mas ela ficou – e não se arrepende. A bicampeã olímpica foi um dos principais nomes da Athletes Unlimited, primeira liga de vôlei dos Estados Unidos, que chegou ao fim no último fim de semana. Ao aceitar o convite, Sheilla encarou a missão de ajudar a enfim profissionalizar o esporte em um dos maiores mercados do mundo.
O tempo sem poder treinar, por conta da quarentena e do frio de um ginásio sem calefação suficiente, fez com que um estiramento na panturrilha atrapalhasse os planos e a afastasse das quadras ainda no início da disputa. Perdeu alguns jogos, demorou um pouco a se adaptar ao formato, mas ficou feliz por ter feito parte do projeto.
Sheilla em ação nos Estados Unidos — Foto: Jade Hewitt/Athletes Unlimited
– Foi uma experiência muito legal, gostei bastante. Foi muita loucura no começo, mas gostei bastante do sistema, de como é feito. É tudo novo.
Quando Sheilla anunciou que jogaria a liga americana, muita gente estranhou. A oposta havia acabado de terminar sua temporada de retorno às quadras, pelo Minas. O maior motivo para embarcar rumo aos Estados Unidos, ela diz, não foi dinheiro. Queria fazer parte de um projeto pioneiro. Ainda assim, demorou a aceitar a proposta.
– Não foi uma decisão fácil de tomar principalmente por causa da Olimpíada, porque eu sabia que seria um período muito curto. Quando eu decidi voltar, em 2019, eu foquei nas Olimpíadas. Eram a minha prioridade. Eu realmente coloquei isso como um foco muito grande. Aí veio a pandemia, mudaram os planos. Eu descartei as Olimpíadas? Não, não descartei. Mas não coloquei como foco principal. Se a preparação que eu fiz não for suficiente, não é uma coisa que vai me corroer, não vai me matar. Eu estou bem tranquila com essa decisão.
Sheilla em ação nos Estados Unidos — Foto: Jade Hewitt/Athletes Unlimited
Sheilla sabe que sua presença poderia ajudar. Com tantos títulos e anos na seleção, sua experiência serviria como referência dentro do grupo. Mas a oposta não quer ir a Tóquio se não for para fazer diferença também dentro de quadra.
– Eu cheguei aqui muito em cima da hora, na semana fria, sem treinar. Então, com certeza não estou na minha melhor forma, tanto que eu machuquei a panturrilha logo na primeira semana. Eu acho, sim, que o Brasil tem chance de brigar por medalha. Então, eu só quero ir se eu souber que tenho chance de estar lá para contribuir dentro de quadra, não só fora. Fora eu sei que posso contribuir. Eu sei que mentalmente posso ajudar muito a seleção. Eu acho que em maturidade, estou muito acima da maioria. Nem é me achando, nem nada, pode perguntar para qualquer pessoa que vão falar isso. Mas se eu não souber que eu posso ajudar tecnicamente, fisicamente, eu não quero ir. E eu sei que o Zé (Roberto Guimarães, técnico da seleção) pensaria igual a mim.
Sheilla com as filhas de 2 anos — Foto: Mari Siqueira Fotografia
– As pessoas podem pensar: “Nossa, mas são as Olimpíadas, você não vai fazer nada para ir?”. Não é que eu não vou fazer nada para ir. A Olimpíada é fantástica, tanto que eu decidi topar de novo. Quando eu topei em 2019 tentar ir para a Olimpíada em 2020, treinar e tentar ir, eu tinha planos pra minha família ir, assistir, entendeu? Eram mil coisas que hoje não vão acontecer mais.
Mas Sheilla tampouco sabe o que fazer no futuro. A oposta já conversou com a organização para uma possível próxima temporada da liga. Mas, por conta do período de disputa, curto e em conflito com outros campeonatos pelo mundo, a bicampeã olímpica ainda não sabe qual caminho seguir.
– Apesar de não ser uma das organizadoras, eu também quero fazer a liga crescer. É um país que a gente sabe que gosta de esporte, que valoriza o esporte, que investe em esporte. Então, se conseguir fazer o vôlei ser tão grande quanto, num falar nem tão grande quanto o basquete e o futebol americano, mas se for metade do que eles são, já está ótimo. Mas é difícil falar (se vai continuar). Porque aqui são dois meses, né? Se eu jogar no Brasil, por exemplo, eu não conseguiria jogar aqui. O único lugar que eu conseguiria jogar para jogar aqui é China, que acaba em janeiro, daria para vir aqui logo depois, como a Jordan (Larson, jogadora americana e uma das organizadoras) fez. Mas, ir para China, com certeza, eu, mãe, com duas meninas, não é a minha vontade agora. Então, teria que ser isso, ficar de novo sem jogar o ano inteiro para vir para cá.
O formato da liga, por outro lado, agrada. Na competição americana, os times mudam a cada rodada. As capitãs são definidas por pontuações conquistadas a cada jogo. No início de cada semana, elas escolhem as jogadoras que querem ao seu lado nos times. As vitórias nos jogos também importam menos que o número de pontos que a equipe faz no total a cada partida.
– É superdivertido e eu gosto de tentar entender a cabeça de quem está escolhendo, porque que está fazendo aquilo, naquele momento. E, muitas vezes, as pessoas erram (risos).
Sheilla ao lado de Larson nos EUA — Foto: Jade Hewitt/Athletes Unlimited
Nesta última semana de disputa, Sheilla ficou ao lado de Jordan, capitã do time. Nas estatísticas, por ter perdido alguns jogos no início, a brasileira ficou para trás – foi a 19ª no ranking de jogadoras, subindo posições na reta final. O objetivo, porém, era bem maior do que esse. Ainda que não estivesse na organização, Sheilla é encarada como parte fundamental no processo de crescimento da liga. Nas redes sociais, é uma das personagens principais das publicações, assim como no material de divulgação da competição.
– Eu vim para cá com o objetivo de fazer essa liga se perpetuar e crescer. Se a gente consegui fazer isso, vai ser bom. Muito bom para os americanos e muito bom para o mundo todo. Porque é mais um lugar para jogar. E é um belo de um mercado. (Globo Esporte)