A presença de crianças com até três anos de idade nos domicílios tem relação com a menor inserção ocupacional das mulheres. O nível de ocupação, proporção de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar, é menor entre as mulheres de 25 a 49 anos que vivem em lares com crianças nessa faixa etária. Entre elas, o nível de ocupação é de 54,6%, enquanto a das que vivem em casas onde não há essa presença é de 67,2%. Os dados são do estudo Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, divulgado hoje (4) pelo IBGE.
“Podemos observar que a presença de crianças nesta faixa etária nos domicílios reduz o nível de ocupação das mulheres. Tal comportamento sugere que a existência de uma oferta adequada de creches possa contribuir para o crescimento da ocupação das mulheres no mercado de trabalho. O maior compartilhamento entre homens e mulheres dos cuidados e afazeres domésticos também é outro fator importante para a ampliação da autonomia das mulheres no mercado de trabalho”, afirma o analista do estudo André Simões.
O nível de ocupação dos homens é superior ao das mulheres em ambas as situações: com ou sem crianças vivendo no domicílio. Já quando a comparação é entre homens, o nível de ocupação sobe com a presença das crianças. A proporção dos homens no mercado de trabalho é maior entre os homens com crianças de até três anos vivendo no domicílio (89,2%) do que entre aqueles que vivem em domicílio sem a presença delas (83,4%).
“O maior nível de ocupação entre os homens com crianças com até três anos de idade no domicilio pode estar relacionado aos menores níveis de ocupação das mulheres no mercado de trabalho, em especial daquelas com crianças desta faixa etária no domicílio”, diz André.
O estudo mostra ainda que há diferenças na proporção de mulheres brancas e pretas ou pardas nesse indicador. Enquanto o nível de ocupação de mulheres pretas ou pardas com crianças de até três anos em casa é de 49,7%, o de mulheres brancas na mesma situação é de 62,6%.
“No caso das mulheres pretas ou pardas com crianças, o nível de ocupação fica abaixo de 50%. A dificuldade que essa população enfrenta não é só em relação ao acesso ao mercado de trabalho, mas também no acesso à educação e aos serviços de saúde. É uma questão estrutural em nossa sociedade”, explica o pesquisador.
O estudo apontou que apenas 35,6% das crianças de até três anos frequentavam escola ou creche em 2019. Há diferenças regionais relevantes nesse indicador. No Sul, 43,3% das crianças de até três anos frequentavam creches e escolas. Já no Norte, esse percentual é de 17,6%.
Outro ponto abordado pelo estudo que ajuda a explicar a menor participação das mulheres no mercado de trabalho é o maior envolvimento no trabalho não remunerado. Em 2019, as mulheres dedicaram quase o dobro de tempo dos homens aos cuidados de pessoas e afazeres domésticos. Elas realizaram 21,4 horas semanais dessas atividades contra 11 horas dos homens.
Assim como o nível de ocupação de mulheres com ou sem crianças em casa, há desigualdade entre brancas e pretas ou pardas também na quantidade de horas gastas com afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Enquanto mulheres brancas dedicavam 20,7 horas semanais a essas atividades, mulheres pretas ou pardas dedicavam 22 horas.
Quando a comparação é por rendimento, a diferença é ainda maior. As mulheres que fazem parte dos 20% com menores rendimentos domiciliares per capita realizavam, em média, 24,1 horas semanais nas atividades de cuidados e afazeres domésticos, enquanto as que estão entre os 20% de maiores rendimentos gastavam 18,2 horas nessas tarefas.
“Isso pode acontecer devido à maior possibilidade de as mulheres com maiores rendimentos terceirizarem o serviço doméstico, ao contratar uma pessoa para ajudar em casa, e também de colocar as crianças em creches privadas. Já as mulheres que têm rendas menores dependem do serviço público, que nem sempre está disponível. Isso acaba influenciando nas diferenças de horas semanais de realização dessas tarefas”, diz André.
29,6% das mulheres trabalham em tempo parcial
O estudo indica ainda que a maior dedicação aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas impacta diretamente a forma de inserção das mulheres no mercado de trabalho. Com a necessidade de conciliar o trabalho remunerado e não remunerado, elas acabam por aceitar ocupações com carga horária reduzida. Em 2019, cerca de um terço das mulheres (29,6%) estava ocupada em tempo parcial (até 30 horas semanais), quase o dobro do verificado para os homens (15,6%).
No recorte por cor ou raça, as mulheres pretas ou pardas eram as que mais exerciam o trabalho parcial, que representava 32,7% do total, contra 26% das mulheres brancas. Norte (39,2%) e Nordeste (37,5%) foram as regiões com as maiores proporções de mulheres ocupadas em trabalho parcial.
Mulheres recebem 77,7% do rendimento dos homens
Em 2019, as mulheres receberam pouco mais de três quartos (77,7%) do rendimento dos homens. A desigualdade era maior entre as pessoas inseridas nos grupos ocupacionais com maiores rendimentos, como cargos de direção e gerência e profissionais das ciências e intelectuais. Nesses grupos, as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens.
No Sudeste e Sul, as mulheres receberam, respectivamente, 74% e 72,8% do rendimento dos homens. Já no Norte (92,6%) e Nordeste (86,5), regiões onde os rendimentos médios foram mais baixos para ambos os sexos, as desigualdades eram menores.
Mulheres estudam mais, mas são minoria entre professores universitários
O estudo também aponta a distinção entre homens e mulheres em relação à educação. Na população com 25 anos ou mais, 15,1% dos homens e 19,4% das mulheres tinham nível superior completo em 2019. Entre os mais jovens, no recorte de 25 a 34 anos, essa diferença chega a 6,8 pontos percentuais: 25,1% das mulheres haviam completado o nível superior, contra 18,3% dos homens.
O estudo mostra, por meio de dados do Censo da Educação Superior 2019, que há diferença entre homens e mulheres nas áreas de conhecimento. Apenas 13,3% das matrículas presenciais de graduação na área de Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação eram de mulheres, enquanto na área de Bem-Estar, que inclui cursos como Serviço Social, a participação feminina nas matrículas foi de 88,3%. As mulheres também são maioria em cursos como Direito (55,2%) e Medicina (59,7%).
“As mulheres têm acesso maior do que os homens no ensino superior no Brasil e a participação delas é desigual em relação às áreas do conhecimento. Elas são mais presentes em áreas relacionadas ao cuidado e os homens são mais presentes nas áreas de ciências exatas”, diz o analista do IBGE Bruno Mandelli Perez.
Apesar da maior participação no ensino superior, as mulheres são minoria entre os professores universitários. Em 2019, as mulheres representavam 46,8% do corpo docente de instituições de ensino superior.
“Em 2019, as mulheres ainda eram menos da metade dos docentes de nível superior. Mas, comparando com anos anteriores, houve uma evolução. As mulheres foram ampliando a sua participação, mas lentamente. De 2003 para cá, essa participação cresceu 3,6 pontos percentuais, o que é um aumento pequeno em quase duas décadas ”, afirma Bruno.