A Polícia Civil apura se o Mesquita Futebol Clube fraudou resultados de exames de coronavírus na Série B2 do Campeonato Carioca. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Defraudações (DDEF). O Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro (TJD-RJ) também abriu um inquérito para esclarecer os fatos.
A suspeita gira em torno de dois exames (de um jogador e de um membro do estafe), cujo pedido e coleta constam com a data de 7 de janeiro. A principal evidência da fraude é o fato de que os documentos levam o carimbo e a assinatura de Rosângela Damasceno, que foi a coordenadora do Laboratório de Análises Clínicas da Unigranrio (Laborafe) por mais de duas décadas antes de morrer, no último dia 26 de dezembro, vítima de complicações de um câncer no fígado.
Exames com suspeita de fraude têm o mesmo número de pedido e a assinatura da coordenadora que faleceu — Foto: Reprodução
Outra evidência é o número do pedido, idêntico nos dois exames: 136646. De acordo com José Roberto Lannes Abib, diretor-técnico do laboratório da universidade, trata-se de um indício de fraude porque o sistema nunca gera dois números iguais – o 136646 em particular foi gerado no dia 17 de dezembro, ainda segundo ele. Abib é o responsável pela supervisão dos exames de Covid desde a morte de Rosângela.
– Depois de ver esse detalhe (o número do pedido), comecei a fazer a checagem. E vi que havia outros pontos que indicavam a falsificação, inclusive a assinatura da doutora Rosângela, que não consta mais nos nossos laudos. Além de alguns outros erros de digitação e formatação – explicou ele ao ge.
– O “coronavírus” no exame falso, por exemplo, estava escrito separado, e nós o escrevemos junto. “Liberação” estava com letra minúscula, e nós usamos letra maiúscula… – completou.
A denúncia partiu do próprio presidente do clube, Ângelo Benachio. Ele contou ao ge que, ao desconfiar que pudesse haver alguma irregularidade nos exames, procurou o laboratório da Unigranrio. Por ordem do reitor da universidade, o laboratório repassou a informação para a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) assim que ficou constatada a fraude. Por sua vez, a federação encaminhou a denúncia para as autoridades.
– A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, através do departamento jurídico, encaminhou, tão logo recebeu a denúncia, toda a documentação ao Ministério Público, à Delegacia de Defraudações da Polícia Civil do Rio de Janeiro e ao TJD para rigorosa apuração – disse a Ferj em nota.
Procurado pelo ge, o MP-RJ não se manifestou. A DDEF informou que abriu uma investigação e que as “diligências estão em andamento para esclarecer os fatos”. E o TJD-RJ abriu um inquérito no início da semana e convocou para prestar esclarecimentos no próximo dia 11 três funcionários do Mesquita e o ex-presidente do clube, Cleber Louzada, cujo mandato foi encerrado no fim de 2020. Além deles, o diretor do laboratório José Roberto Abib também prestará depoimento. As oitivas serão online.
– Tudo indica se tratar de uma fraude – afirmou Rodrigo Octávio Pinto Borges, designado como auditor processante do inquérito.
– Isso é muito grave pelo momento sanitário epidêmico em que vivemos, pela preservação da saúde dos outros atletas. Um exame que por ventura não retrata a realidade coloca em risco toda a coletividade esportiva, os envolvidos de outros clubes. Diante dessa gravidade é que nós pedimos a abertura do inquérito. Vamos ouvir as pessoas, analisar as provas produzidas e, ao fim, eu posso arquivá-lo ou encaminhar à Procuradoria para oferecer denúncia caso os indícios de fraude sejam caracterizados – acrescentou o auditor.
O Mesquita disputa a Série B2 do Campeonato Carioca — Foto: Gabriel Farias
Empresa gerencia futebol do clube
Com dificuldades financeiras, o Mesquita firmou em setembro do ano passado um acordo para que uma empresa gerenciasse seu departamento de futebol. O contrato com a Agência Desportiva Passe Certo, já encerrado, dizia que a empresa era responsável por “todas as obrigações que forem necessárias com relação aos atletas”, como exames de coronavírus.
O ge tentou contato com a empresa sediada em Niterói, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem. Por sua vez, Ângelo Benachio, presidente do clube, preferiu não se manifestar: “Os advogados orientaram a não falar pra evitar especulações ou até mesmo entendimento divergente da verdade, vamos aguardar as investigações”.
Já Cleber Louzada, que era o presidente no momento da assinatura do contrato com a Agência Passe Certo, reforçou que o clube “não tinha nenhuma responsabilidade sobre o futebol”.
– Nós fomos pegos de surpresa. Eu não acompanhei muito isso, deixei tudo por conta do Ângelo. Mas temos uma parceria com uma empresa, que estava cuidando dessa parte. O clube não tinha nenhuma responsabilidade sobre o futebol – disse Louzada.
O Mesquita terminou a Série B2 do Carioca em último lugar na classificação geral e foi rebaixado para a Série C, o equivalente à quinta divisão. (Globo Esporte)