O que você fazia aos 16 anos? Provavelmente a resposta para esta pergunta não será: “Atuava por um grande time de futebol sob a pressão dos olhares de milhares de pessoas em estádios gigantes”. Porém, essa é a realidade de alguns jovens. Na atual edição do Brasileirão, 12 jogadores entre 15 e 17 anos já entraram em campo.

A cada temporada é mais comum as equipes brasileiras se reforçarem com jogadores de idade sub-17, seja por dificuldades financeiras, ou por acreditarem que estes meninos são espécies de fenômenos. Dos seis jogadores mais jovens a entrar em campo pelo Campeonato Brasileiro nos últimos 10 anos, quatro foram nas duas últimas temporadas.

O futebol brasileiro é riquíssimo de talento. Mas será que estes jovens estão sempre preparados física e psicologicamente para disputar partidas contra jogadores muito mais velhos? Sensação no futebol brasileiro na atual temporada, o atacante cuiabano Brenner afirmou ao ge que não estava pronto quando subiu ao time profissional do São Paulo em 2017, com 17 anos.

“Eu acredito que quando eu subi, não estava 100% preparado. Aliás, acho que a gente nunca vai estar 100% preparado para os desafios, mas a minha cabeça não estava totalmente pronta para aquele objetivo que me foi dado. Oscilei bastante e não tive foco”

Brenner brilha no São Paulo após anos difíceis no futebol profissional — Foto: Miguel Schincariol / saopaulofc.net

Brenner brilha no São Paulo após anos difíceis no futebol profissional — Foto: Miguel Schincariol / saopaulofc.net

O jogador se destacou no Sub-17 e chegou a marcar 34 gols em 14 jogos em uma edição do Campeonato Paulista da categoria. Ele acabou pulando o Sub-20 e foi promovido ao profissional, comandado por Rogério Ceni na época. Não conseguiu demonstrar a qualidade da base e foi muito criticado em 2017 e 2018. Em 2019, foi emprestado ao Fluminense, onde também não teve sequência.

Para enfim ter êxito na atual temporada. O atacante, aos 20 anos, já marcou 18 gols e é um dos pilares do time comandado por Fernando Diniz.

Brenner fala sobre as dificuldades da transição de um jogador ao futebol profissional
Lincoln, do Flamengo, é mais um exemplo de jogador com muito destaque nas categorias de base e promovido com pouca idade – estreou no time profissional aos 16 anos, em novembro de 2017. Três anos depois, alternando bons e maus momentos no time de cima, ele recebe críticas como veterano e está perto de ser vendido ao modesto Pafos, do Chipre. A reportagem tentou ouvir Carlos Noval, gerente de transição da base do Flamengo, sobre a situação do jogador, mas a entrevista não foi autorizada.
Aos 19 anos, Lincoln convive com duras críticas da torcida do Flamengo — Foto: André Durão / ge

Aos 19 anos, Lincoln convive com duras críticas da torcida do Flamengo — Foto: André Durão / ge

Jogadores que atuaram com idade sub-17 no Brasileirão 2020

JogadorClubeIdade que entrou em campo
Ângelo BorgesSantos15 anos
SávioAtlético-MG16 anos
Matheus NascimentoBotafogo16 anos
Marcos LeonardoSantos17 anos
Miguel SilveiraFluminense17 anos
MarcelinhoPalmeiras17 anos
Gabriel Verón*Palmeiras17 anos
Sandry*Santos17 anos
Talles Magno*Vasco17 anos
Rafael*Sport17 anos
Derick*Santos17 anos
Ivonei*Santos17 anos

*Jogadores que já completaram 18 anos, mas entraram em campo com 17.

Preparação física

Existem casos considerados exceções, como Neymar, Gabriel Jesus, Rodrygo, Vinicius Junior e outros, que subiram com pouca idade e rapidamente conseguiram entregar qualidade no futebol profissional. Porém, de acordo com o preparador físico do Santos, Omar Feitosa, o jovem de 15 a 17 anos costuma enfrentar uma série de dificuldades na transição.

– Atletas de 15 a 17 anos, de uma forma geral, ainda não têm uma formação biológica completa. Ou seja, ainda têm um sistema musculoesquelético em desenvolvimento. Ainda existem algumas questões fisiológicas em desenvolvimento, assim como a produção hormonal. Existem alguns atletas que, próximos dos 17, já são biologicamente maduros. Mas são exceções à regra.
Omar Feitosa (esquerda) lida diariamente com jovens jogadores: cinco com idade sub-17 atuaram pelo Peixe no atual Brasileirão — Foto: Ivan Storti/Santos FC

Omar Feitosa (esquerda) lida diariamente com jovens jogadores: cinco com idade sub-17 atuaram pelo Peixe no atual Brasileirão — Foto: Ivan Storti/Santos FC

O preparador santista afirma, também, que existem vantagens e desvantagens físicas para um jogador de tão pouca idade em relação aos mais velhos.

– A vantagem de ser jovem é o fato de suportar mais uma exigência física do jogo. Teoricamente é uma vantagem, desde que tenha uma maturidade biológica bem desenvolvida. A desvantagem: ele não tem lastro de treinamento. Um atleta mais velho tem 10, 15 anos de treinamento. Isso dá uma vantagem muito grande a um atleta adulto. Por que ano a ano o atleta vai melhorando em várias capacidades físicas, além da capacidade de tomar decisões e gastar menos energia para fazer o mesmo tipo de atividade que um atleta mais jovem.

Psicologia

Além das questões físicas, a parte psicológica também pode afetar no rendimento de um jogador de pouca idade. O psicólogo Paulo Ribeiro, atualmente no Botafogo, e que trabalha desde 1986 em grandes clubes de futebol, explica que a questão familiar precisa de uma atenção maior nestes casos.

– Existe uma diferença na intervenção do psicólogo do esporte no atleta de 16 anos para um mais experiente. Com o jovem, a gente precisa entender um pouco mais o universo da família deste atleta. Porque os pais ainda estão muito presentes na vida profissional deste menino. Inúmeros fatores podem fazer um atleta que tenha qualidade não consiga mostrá-la – afirma o psicólogo do Botafogo.
Paulo Ribeiro é psicólogo do Botafogo desde o início de 2019 — Foto: Vitor Silva/SSPress/Botafogo

Paulo Ribeiro é psicólogo do Botafogo desde o início de 2019 — Foto: Vitor Silva/SSPress/Botafogo

“Cobranças que existem na família por muitos destes atletas serem o esteio financeiro da sua família. Então a cobrança para que tenha resultados com rapidez às vezes é muito grande”

Paulo Ribeiro explica que é importante fazer com que o jovem de 16 ou 17 anos entenda que ele está em um determinado clube e que o tamanho deste clube reflete o tamanho da pressão que ele enfrentará ao longo da carreira. O psicólogo ressalta que o adolescente vai aprendendo isso no decorrer de sua trajetória e que o ideal é que o jogador suba para o profissional quando já tiver essa noção.

Opção por transição tardia

Existem clubes que optam pela estratégia de lançar os jogadores com mais idade. Um exemplo é o Grêmio, que revelou nos últimos anos jogadores de destaque como Arthur, Everton, Matheus Henrique, Jean Pyerre e Pepê. Os três primeiros chegaram à Seleção Brasileira.

O coordenador geral das categorias de base do Grêmio, Francesco Barletta, explica a estratégia do clube de promover os jogadores de forma mais tardia. Ele acredita que existe maior possibilidade de um retorno desportivo desta forma. A estabilidade financeira, segundo o dirigente, permite que o clube por vezes abra mão de um retorno financeiro mais imediato.

– Eu penso que quando você lança um jogador mais cedo, você está em busca de um retorno financeiro e abrindo mão um pouco do retorno desportivo. Se lança mais tarde, você abre mão um pouco do retorno financeiro, mas tem um grande retorno desportivo, que é o nosso caso no Grêmio. O clube tem optado por isso. A estabilidade financeira do Grêmio permite isso.

Everton Cebolinha foi vendido por 22 milhões de euros aos 24 anos de idade — Foto: Getty Images

Everton Cebolinha foi vendido por 22 milhões de euros aos 24 anos de idade — Foto: Getty Images

O Grêmio desde 2015 possui um time de transição, que disputa o Campeonato Brasileiro de Aspirantes. Desde então, os jogadores no fim do processo de base passam por este time antes de serem testados no profissional. A estratégia também é utilizada por outras equipes.

– Na troca do Olímpico para a Arena se viu a necessidade de integrar um time de transição ao profissional. Estes atletas começaram a trabalhar mais próximos do profissional. Para nós da base, é muito importante, pois é um estágio final da formação. Ao invés de cair direto no time de cima, ele passa por todo um processo de adaptação que é fundamental para o atleta performar – afirma Barletta.

Além de ser uma política do clube, Francesco Barletta destaca também a forma de trabalhar de Renato Portaluppi com jogadores em formação. Para o coordenador, o técnico gremista costuma ter paciência ao lançar jovens jogadores e o clube adota esta metodologia. O profissional explica que não existe certo ou errado sobre lançar mais cedo ou mais tarde. É uma opção que cabe a cada clube tomar de acordo com a sua situação e a de seus jovens jogadores. (Globo Esporte)