No último domingo, enquanto a imprensa e a sociedade comentavam o anúncio feito pelo Santos sobre a contratação do atacante Robinho, condenado em primeira instância por estupro coletivo na Itália, outro jogador fazia sua estreia na Série A do Campeonato Brasileiro de 2020. Sem chamar muita atenção, o atacante Wesley Pionteck, do Bragantino, ficou em campo durante 32 minutos na derrota por 2 a 1 para o Atlético-GO.
Alguns dias antes, na quinta-feira, Wesley foi parar na delegacia em Bragança Paulista. De acordo com o Boletim de Ocorrência, ele foi abordado por policiais que identificaram um mandado de prisão expedido contra o jogador.
Em outubro do ano passado, Wesley foi condenado a uma pena de um ano e quatro meses em regime aberto por lesão corporal em violência doméstica depois de agredir a sua então namorada. A defesa do jogador recorreu da decisão, e a condenação foi mantida em segunda instância. A sentença já transitou em julgado, o que significa que é definitiva.
Segundo o advogado de defesa do jogador, José Eduardo Marchió da Silva, o comunicado de foragido que fez com que Wesley fosse encaminhado à delegacia na última semana foi um equívoco, já que o atacante não tinha sido intimado a se apresentar.
O Bragantino deu uma justificativa diferente para a situação: “Como cumpre regime aberto, ele deve informar seu paradeiro periodicamente. Quando estava atuando, por conta das viagens, essa comunicação era feita pelo clube. Como o atleta estava sem jogar desde janeiro por conta de uma lesão, a comunicação não foi realizada e automaticamente é gerado um aviso à polícia sobre a situação”, explicou o clube por meio de sua assessoria de imprensa.
Retorno de Robinho ao Santos levantou o debate sobre atenção de clubes à questão da violência contra mulher — Foto: Santos F.C
Wesley foi liberado na própria quinta-feira depois de prestar esclarecimentos. Agora, diz seu advogado de defesa, vai seguir a carreira de jogador normalmente.
A agressão pela qual Wesley foi condenado aconteceu em janeiro de 2019. Segundo consta dos autos do processo, o jogador causou lesões corporais graves na então companheira e a ameaçou. A vítima afirmou que era agredida desde o começo do relacionamento e que, na noite em questão, Wesley a golpeou com uma faca. Os policiais militares que atenderam ao chamado relataram que a mulher estava ensanguentada. Quando interrogado, o atleta disse que “perdeu a cabeça” por ciúme.
Naquela época, o atacante pertencia ao Botafogo-SP e estava emprestado ao Santos. Oito dias após o caso, um novo contrato de empréstimo, dessa vez com o Bragantino, foi publicado no BID, o Boletim Informativo Diário da CBF. A atual gestão assumiu o clube em abril de 2019, e alega que, à época, não tinha ciência sobre o processo envolvendo Wesley. Ainda no ano passado, o jogador comunicou a diretoria a respeito da situação.
Sobre ter no elenco um atleta condenado por violência doméstica, o Bragantino respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que “a pena imposta pela Justiça vem sendo cumprida exatamente como determinada e não há reincidência por parte do jogador. O clube acompanha o caso e acredita que uma rescisão de contrato vigente ou algo semelhante acabaria com qualquer chance de reintegração do indivíduo perante a sociedade.”
Apesar de a diretoria se mostrar preocupada com a ressocialização de condenados, não há, nos quadros do clube, nenhum outro funcionário que esteja recebendo essa oportunidade.
O Bragantino afirmou que possui uma agenda relacionada a causas sociais, com ações nas redes sociais promovendo o combate ao racismo, o orgulho LGBTQIA+ e a conscientização sobre o câncer de mama, entre outros temas. Desde que a atual gestão assumiu, a violência contra as mulheres não foi pauta dentro do clube.
Maíra Zapater, especialista em direito penal e doutora em direitos humanos, reitera que não existe lei que impeça um jogador de futebol condenado por qualquer crime de voltar a exercer o seu trabalho, a não ser que o crime tenha sido praticado no exercício da profissão. “O que eu me questiono é por que ainda existe uma aprovação social tão grande dessas pessoas”, diz ela.
Maíra diz não ter opinião formada sobre como lidar com o tema, já que não se pode exigir que a pessoa seja obrigada a abandonar a sua profissão. “Eu acho que é pra gente pensar por que quando o crime é esse tem essa aceitação da torcida. Num país que é tão punitivista, numa sociedade em que é tão comum o discurso de ‘bandido bom é bandido morto’, por que, quando se trata de crimes em que as vítimas são mulheres, esse cara pode continuar sendo ídolo do futebol? Será que se eles fossem condenados por corrupção ou tráfico ia ter essa mesma aceitação?”, questiona.
Para ela, o fato de o jogador ser protagonista dos principais times do país ou reserva numa equipe menor não faz diferença pra essa discussão. “Estamos falando de jogadores de futebol, e isso acontece tanto com caras de maior expressividade, quanto com jogadores menos conhecidos. De qualquer forma, (crimes praticados contra mulheres) não parecem ser motivo suficiente pras pessoas desenvolverem algum tipo de repulsa”, analisa Maíra. (Globo Esporte)