Até aqui você sabe: o escolhido pelo Flamengo para substituir Jorge Jesus é Domènec Torrent, de 58 anos, auxiliar de Guardiola por 11 anos. Mas o que o catalão, que deve assinar com a equipe rubro-negra até o fim de 2021, tem a oferecer como técnico? Quem conta é o atacante brasileiro Héber, treinado por ele no New York City FC.
“Ele sempre falava: a bola é que tem que chegar para você”, disse o jogador, ao ge
Pode não parecer, mas nessa curta frase de Héber reside uma grande diferença entre o estilo de Torrent e o praticado por Jorge Jesus. Mais precisamente, no jeito de atacar. O espanhol, com suas raízes fincadas no Barcelona, na filosofia de Cruyff e, obviamente, no modelo de Pep Guardiola, é adepto do Jogo de Posição. O português, por sua vez, prefere mobilidade total.
O torcedor do Flamengo deve acostumar-se a chamá-lo mais de Dome Torrent. Ou só Dome. Nascido em Santa Coloma de Farners, pequena cidade catalã, ele chegou a ser jogador. Foi meia por pequenas equipes na região de Girona. Mas logo se formou como treinador e, depois de trabalhar em times das divisões inferiores, conheceu Guardiola em 2007.
Com Pep, Torrent iniciou uma parceria que rendeu 23 títulos em 11 anos, entre eles duas taças da Liga dos Campeões e sete ligas nacionais. O portal “The Athletic” escreve que Domènec é fluente em cinco línguas: espanhol, catalão, inglês, alemão e… Guardiola. Em julho de 2018, assumiu o New York City FC em seu primeiro desafio como protagonista.
A trajetória de Dome como técnico profissional tem um ano e meio. Ele deixou o NYCFC após a temporada de 2019, depois de levá-lo à sua melhor campanha na Major League Soccer (MLS), na semifinal da Conferência Leste. Com um jogo posicional e de muita posse de bola.
“Eu tocava na bola no primeiro tempo cinco, seis vezes, mas eram três chances de gols. Ajudava muito a equipe”, relembra Héber.
– Ele falava pra eu ficar no meio dos zagueiros, e tinha jogo que mandava eu recuar, dependia muito do oponente. Ele estudava o oponente, mandava eu recuar entre os volantes da outra equipe, dar espaço para os ponta fazerem as diagonais – completa.
Brasileiro Héber foi artilheiro do New York FC na MLS de 2019 com Dome Torrent, com 15 gols em 23 jogos — Foto: Divulgação/New York City FC
O atacante brasileiro, de 28 anos, chegou ao time de Nova York em 2019. Fez 15 gols em 23 jogos na MLS e foi o artilheiro da equipe na liga do ano passado. O time, que faz parte do grupo que é dono do Manchester City, foi líder da Conferência Leste com 64 pontos em 34 jogos e eliminada na semifinal para o Toronto, em jogo único, com derrota por 2 a 1.
Domènec Torrent no New York City FC:
- 60 jogos
- 29 vitórias
- 15 empates
- 16 derrotas
- 104 gols marcados
- 76 gols sofridos
- 56,6% de aproveitamento
Os melhores momentos do NYCFC com Dome Torrent:
Dome Torrent e Jorge Jesus não se diferem no apreço pela posse de bola. Nem pelo apego ao jogo ofensivo. Mas pensam diferente sobre como alcançar tais objetivos. O português prefere que suas equipes tenham mobilidade constante. O espanhol guarda posições.
Mas como assim? Torrent segue a linha de Pep Guardiola, que por sua vez também é adotada por treinadores como Marcelo Bielsa e Jorge Sampaoli. Primeiro ganha-se o espaço. Héber explica como era no New York City FC: primeiro ganha-se o espaço. Depois vem a transição com a bola. E assim ele viu um time muito agressivo.
– A gente fazia muitos gols, cada um na sua posição, a bola chegava, tinha a transição. Na última parte do campo, ele tinha uma frase para mim: “Na última parte do campo, você é o chefe”. O trabalho dele era levar a gente da defesa até o ataque, e lá deixava a gente mais livre – analisa o brasileiro.
O Jogo de Posição:
Em entrevista ao ge em maio, o catalão se definiu como um treinador proativo e gosta de atacar e ter a bola mesmo se estiver no comando de uma equipe pequena. Na mesma época, Torrent falou ao jornal argentino “Olé” e explicou por que enxerga o jogo posicional longe de uma estrutura rígida.
– Estar bem posicionado, ocupar bem os espaços é importante para circular a bola. Por que o Barcelona podia jogar com dois toques? Porque os jogadores, além de sua qualidade individual, estavam bem posicionados e assim encontravam apoios. Às vezes, diante de defesas retraídas, você tem que mover a bola para encontrar os espaços e atacar – avaliou.
“Perguntem aos jogadores se têm liberdade ou não com essa forma de jogar. Eu não conheci ninguém que tenha dito que se sentia limitado com o estilo de jogo do Pep”
Dome além da tática
Domènec Torrent faz festa com os jogadores e dá um abraço efusivo no argentino Maxi Morález, camisa 10 do New York City FC, após o time garantir o primeiro lugar na Conferência Leste em 2019
Torrent é descrito como uma pessoa serena e muito tranquila. Tem perfil agregador. Não é difícil encontrar nas publicações na época de sua passagem por Nova York na qual ele exalte a união do grupo.
– Comigo ele era ‘tranquilaço’, bem parceiro, humilde, uma pessoa muito boa. Relacionamento super bom com todo mundo, nunca teve atrito. Sempre foi tranquilo, até porque nosso time estava fazendo uma campanha super boa – comenta Héber.
Com Guardiola, ele era o responsável pela análise dos adversários. Segundo Héber, isso se manteve. Torrent sempre apresentou relatórios detalhados sobre os rivais do New York City FC. Por isso, o futuro treinador do Flamengo valoriza ainda mais jogadas coletivas e até a bola parada, pois resultam de um pensamento em conjunto.
Domènec Torrent, em corrente com a equipe do New York City FC: treinador tem perfil agregador — Foto: Divulgação/New York City FC
Ao ge, Torrent deixou claro: mesmo quando um gênio seja seu jogador, o maior trunfo será fazê-lo jogar para o time.
“Eu sempre tenho uma frase que uso quando chego num clube: ‘Se você tem um jogador com um talento individual incrível e não o coloca a serviço do time, esse talento não serve para nada’.”, disse Dome.
Com passagens por Figueirense, Avaí, Paysandu, e clubes da Romênia e Croácia, Héber diz que o ano sob o comando de Torrent foi único.
“(Evoluí) muito. ‘Tá louco’! Foi uma das minhas melhores temporadas na carreira. Taticamente, você começa a ver o jogo de outra forma”, resume o brasileiro. (Globo Esporte)