Com a chegada do mês de Julho, o Julho da “pretas” como costumamos falar, é importante lembrarmos das mulheres que viveram em outros tempos, mas por suas trajetórias se fazem presentes até os dias atuais no cotidiano de nossas lutas.
Desta forma quero falar um pouquinho da trajetória de uma mulher negra que viveu no século XVIII na região de Mato Grossoque embora sua história seja pouco conhecida, representa para nós negras uma referência na luta por liberdade, dignidade e direitos fundamentais.
Como mulher negra, mãe, trabalhadora, comunitária e ativista nas lutas feministas e antirracista ao longo de minha trajetória percorri longas caminhadas e, em nenhuma encontrei facilidades. Sempre enfrentei desafios e obstáculos, convivo com o racismo, machismo e as desigualdades e injusticas sociais que é comum a todas nós mulheres negras e perifericas em especial.Mas procuro encarar tudo com coragem e determinação, e tenho feito desse meu cotidiano motivos para lutar por mudanças na estrutura da nossa sociedade.
O mundo é cheio de mulheres maravilhosas que lutam contra as imposições sociais, que lutam em defesa da liberdade, por igualdade de gênero, contra as injustiças sociais e toda forma de opressão, e por reconhecimento de direitos e, de quebra ajudam a transformar o planeta em um lugar melhor para todos.
Portanto, a luta das mulheres é por um ideal de sociedade.
Neste texto, falarei de Tereza de Benguela, a rainha Tereza, uma mulher negra, escravizada no período da escravidão que se tornou a líder do quilombo Quariterê ou quilombo do Piolho por estar localizado as margens do Rio Piolho ou Quariterê, na região do Vale do Guaporé onde também está Vila Bela da Santíssima Trindade, a primeira capital do atual Estado de Mato Grosso, onde viveu por quase vinte anos durante o século XVIII.
Durante o período colonial os negros eram trazidos, digo traficados da África para se tornarem escravos no Brasil (para serem escravizados). Neste período homens a serviço da Coroa portuguesa se embrenhavam pelos sertões, campos e florestas, e rios em busca de oportunidades de exploração que lhes garantisse lucro e riquezas. A missão desses homens era garantir a sustentação da Corte portuguesa. Esses homens eram os Bandeirantes, e os negros africanos se tornaram meio desse ganho, pois eram obrigados a levar uma vida de servidão e as mulheres, além de serem obrigadas ao trabalho escravo no ambiente domestico, também eram usadas como objetos de manuseio sexual dos seus senhores.
Não suportando essa vida de escravidão os negros começaram a se organizar nas senzalas travando grandes batalhas na luta por liberdade. Muitos morreram pelas mãos dos capitães do mato, uma espécie de capataz das fazendas, mas que na verdade era outro escravo dos senhores de engenhos, outros tantos fugiram para as matas, alguns foram capturados e torturados em praça publica, no entanto os negros jamais aceitaram tal condição e sempre se rebelavam e fugiam.
Os que fugiam se organizavam nas matas e construíram suas moradas os chamados “mucambos” no dialeto banto falado pelos negros, esconderijos e assim foram formandos os “kilombos”, em banto, “sociedade guerreira” com rigorosas disciplinas militares segundo o historiador Dagoberto José Fonseca da UNESP.
Tereza, esposa do então chefe do quilombo José Piolho, com sua morte ela assumiu o comando da aldeia e se tornou uma grande líder chamada por todos de rainha Tereza.Lutou bravamente e por diversas vezes saíram vitoriosos, conquistando assim o respeito e a confiança da comunidade, é por isso que Tereza, a rainha negra de um quilombo no sertão de Mato Grosso, no Seculo XVIII, representa para o povo negro, especialmente para nós mulheres negras, indígenas e quilombolas um simbolo de luta e resistencia.
Os quilombos não abrigavam apenas os negros escravizados que fugiam de seus senhores tentando dar fim à opressão a que eram submetidos, mas os indígenas também, pois estes também eram escravizados, desta forma os quilombos se tornaram uma comunidade constituída por diferentes povos e culturas.
A trajetória de Tereza de Benguela, embora não seja conhecida contribuiu muito com as nossas conquistas atuais. Os negros de modo geral contribuíram enormemente com o processo de construção do Brasil, mas nossa história ainda permanece no anonimato. Isso nos faz perceber que o Brasil ainda não superou seu processo de colonização e que o racismo é algo explicito na sociedade brasileira.
Mas, o grito de Tereza, a nossa rainha preta jamais se conseguiu abafar, mesmo depois de sua morte, outras Terezas surgiram.
Tereza está presente no cotidiano das mulheres agricultoras, ou camponesas que trabalham nas lavouras, no cultivo da terra e da plantação, das mulheres chefes de família que deixam seus lares ainda de madrugada e vão batalhar pelo sustento da casa, das mães solos que muitas vezes criam os filhos sozinhas, das meninas da periferia que com muitas dificuldades conseguem chegar a uma universidade, das Professoras negras que encontraram na docência um modo especial, não apenas de ensinar conteúdos, mas também de ajudar sua comunidade a se desenvolver apoiando praticas pedagógicas que mudam à realidade das meninas, dos meninos e das mulheres, das Advogadas negras que encontraram na advocacia uma maneira de defender os direitos da população negra, das mulheres quilombolas que lutam por manter viva a memória dos seus antepassados, das mulheres indígenas que enfrentam imensos obstáculos para terem acesso àescolarização e as políticas públicas de saúde e reprodução, das trabalhadoras de modo geral e profissionais de diferentes campo de atuação que não se intimidam diante de tarefas brutas e desafiadoras, das mulheres empoderadas que se reúnem em torno dos Coletivos para discutir políticas, trocarem experiencias, se apoiarem e estabelecer estratégias de luta e resistência..enfim .. de todas que desafiam o sistema, que impõe resistência e deixam legados, ainda que anonimamente.
Tereza, vive, porque seus sonhos são nossos sonhos, e estão presentes em cada mulher quefaz da sua trajetória um cotidiano de lutas por uma sociedade melhor onde possamos viver com dignidade e qualidade, sem violência, sem desempregos e sem racismo.
Teeza de Benguela está presente no cotidiano de lutas damulherAfro-brasileira, ndígena, quilombola e da periferia , do Século XXI, e o Julho das pretas é em referencia ao dia 25 de julho, onde comemoramos o dia Internacional da Mulher Negra Afro latino-americanas e Afro-caribenhas e Dia Nacional de Tereza de Benguela, nossa protogonista, simbolo de luta e resistência.
Essa data foi definida em 1992, em Santo Domingo, na Republica Dominicana, quando aconteceu o 1º Encontro de Mulheres Afro latino-americanas e Afro-caribenhas, que resultou na criação da Rede de Mulheres com a mesma denominação, com o objetivo de marcar a luta dessas mulheres por igualdade de direitos e oportunidades, politicas publicas e inclusão social e contra o Racismo. No brasil, a inclusão do dia Dia Nacional de Tereza de Benguela foi sancionada através da Lei 12.987/2014 pela presidente Dilma Rousseff.
O mês de julho é uma data especial para marcar uma agenda de debates e reflexões sobre a luta das mulheres negras.

*VERA LÚCIA MORAES DE OLIVEIRA é Assistente Social;  Servidora Publica da Universidade de Mato Grosso – UNEMAT; Conselheira do CEPIR-MT (Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial); Integrante do Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres/MT; Membro-convidada da Comissão de Defesa da Igualdade Racial da OAB-Subseção de Cáceres e de MT, Líder comunitária, Ativista do movimento feminista; Sul-matogrossense e Cuiabana de Coração.