Quinta-feira, 4 de abril de 1991. Campeão mundial de voo livre 10 anos antes, Pedro Paulo Guise Carneiro Lopes sofre um acidente em Wakayama, no Japão, e morre após chocar-se com uma estrutura rochosa e agonizar por duas horas e meia antes da chegada do socorro. O Brasil perdia ali, com apenas 33 anos, um atleta que marcou época. Mais do que isso. Pepê, como era conhecido, é considerado um visionário do esporte radicial brasileiro, deixando o seu profissionalismo e a sua competitividade como legados para as futuras gerações.

FEITO HISTÓRICO NO SURFE

Antes de ganhar o Mundial de Voo Livre, o carioca de Ipanema foi surfista de destaque no cenário nacional e internacional. Em 1976, tornou-se o primeiro brasileiro a ganhar uma etapa do Circuito Mundial, feito ocorrido no Waimea 5000, no Arpoador. Naquele mesmo ano, Pepê também passou a ser o primeiro surfista do Brasil a chegar a uma final de Pipeline. Para se ter uma noção do tamanho do feito, o país só voltou a ter um finalista na competição havaiana em 2014, com Gabriel Medina.

– Não tive a oportunidade de conhecer o Pepê Lopes, mas sei que ele foi muito importante para o surfe no Brasil. Valorizo muito pessoas como ele, que fazem a diferença, seja dentro ou fora do esporte. E tenho certeza de que se ele ainda estivesse aqui com a gente, seria um prazer enorme conhecê-lo e surfar com ele – disse Gabriel Medina.

Pepê Lopes comemora título no Arpoador em 1976 - Arquivo pessoal
Pepê Lopes comemora título no Arpoador em 1976 – Arquivo pessoal

Campeão mundial na mesma Pipeline em 2015, Adriano de Souza, o Mineirinho, é outro a destacar a importância de Pepê Lopes para o surfe brasileiro. Ele também ressalta a relevância do carioca na divulgação do seu estilo de vida saudável e da implantação do empreendedorismo no esporte.

– Pepê foi fundamental para dar uma ênfase internacional ao surfe brasileiro. Ele foi finalista em Pipeline, uma etapa super tradicional, sendo pioneiro em colocar o Brasil em destaque. E não foi só isso. Em toda a vida dele, ele foi pioneiro, seja no surfe ou na asa delta. Sem contar que ele levava uma vida muito saudável e desenvolveu esse estilo de vida, deixando como legado para todos os atletas – comentou Mineiro.

Pepê (de prancha azul) com colegas de surfe nos anos 70 - Arquivo pessoal
Pepê (de prancha azul) com colegas de surfe nos anos 70 – Arquivo pessoal

QUEM FOI PEPÊ LOPES

Filho do casal Manuel Danton Carneiro Lopes e Vera Guise Carneiro Lopes, Pepê teve outros três irmãos e foi criado em Ipanema, Zona Sul do Rio. Seu primeiro esporte foi o hipismo, o qual começou a praticar ainda na infância no Floresta Country Club, no bairro do Itanhangá. Como cavaleiro foi campeão carioca mirim antes de descobrir o surfe – ele também chegou a praticar judô e natação na infância. Ainda garoto começou a surfar em Grumari, seu primeiro point. Pouco depois, quando surfava no antigo píer de Ipanema, Pepê conheceu Rico de Souza, que já era famoso no cenário do surfe brasileiro naquela época.

Impressionado com o talento do jovem de cabelos louros e sorriso fácil, Rico logo virou amigo e companheiro de onda de Pepê. A amizade fez ambos progredirem na modalidade, e, em 1976, com apenas 19 anos, Pepê viveu o seu auge no surfe ao ser campeão de uma etapa do antigo Circuito Mundial, o Waimea 5000, no Arpoador. Naquele mesmo ano, o carioca também disputou o Pipe Masters e chegou à final, um acontecimento impensável para uma época em que os brasileiros mal conheciam as ondas do Havaí.

Imagem rara de Pepê em Pipeline em 1976 - Arquivo pessoal
Imagem rara de Pepê em Pipeline em 1976 – Arquivo pessoal

– O Pepê sempre foi um grande ídolo, um grande atleta em todos os esportes que disputou. No surfe, ele representou muito bem, não só como surfista, mas como pessoa, porque era um ser humano muito correto. Pepê foi um ídolo que inspirou muitas gerações. Tive o prazer de conviver com ele, fiz pranchas para ele e sou amigo da família até hoje. É como se o Pepê estivesse vivo até hoje, porque esse legado e esse carinho dele nunca foram apagados – afirmou Rico.

Rico também acredita que o sucesso de Pepê tenha contribuído bastante para a desmarganização do surfe no Brasil. Perseguidos até então pelo regime militar, os surfistas passaram a ser olhados de uma outra maneira após as conquistas do carioca de Ipanema.

Pepê no casamento do amigo e também piloto de voo livre Miguel Tavares - Arquivo pessoal
Pepê no casamento do amigo e também piloto de voo livre Miguel Tavares – Arquivo pessoal

– O resultado que ele teve em Pipeline em 1976 abriu as portas para o Brasil. Aquele feito contribuiu e muito para que o surfe se profissionalizasse. Foi o pontapé inicial para que surgissem grandes gerações nos anos seguintes, principalmente essa geração vitoriosa que temos agora, a Brazilian Storm – opinou.

Apesar do sucesso no surfe, Pepê não se deu por satisfeito. Querendo experimentar cargas de adrenalina ainda maiores, ele migrou para o voo livre no fim dos anos 70. Como piloto de asa delta, chegou ao ápice em 1981 ao ser campeão mundial Wakayama, no Japão, mesmo local onde ele viria a ter o acidente fatal 10 anos depois.

– Pepê foi um marco para o voo livre brasileiro. Graças ao título mundial do Pepê, o voo livre brasileiro deu um passo muito grande para o seu reconhecimento como esporte. Conheci o Pepê quando éramos surfistas e migramos para o voo livre em 1978. Ele era um grande amigo meu. A perda dele foi irreparável – destacou o hoje instrutor de voo livre, Miguel Tavares.

Pepê Lopes em torneio de voo livre nos anos 80 - Arquivo pessoal
Pepê Lopes em torneio de voo livre nos anos 80 – Arquivo pessoal

ACIDENTE GRAVE EM 1984 E MORTE EM 1991

A conquista do Mundial de 1981 não encerrou a sede de títulos de Pepê, que seguiu competindo em alto nível pelos anos seguintes. Em 1984, porém, ele viu a morte de perto pela primeira vez durante competição em Governador Valadares (MG). Ao tentar fazer pouso forçado, Pepê sofreu grave acidente, que o fez perder o baço. Após 40 dias de internação na cidade mineira, recebeu alta e voltou para o Rio. Seu estado de saúde, contudo, não era nada animador.

– Ele estava tendo febre direto e estava muito debilitado. Chamamos um médico amigo nosso, o Antônio Gondin, que o examinou e constatou que ele deveria ser internado às pressas. Ao chegar ao hospital, o especialista de lá descobriu que ele estava com um rim necrosado. Precisava ser operado às pressas e, mesmo assim, era uma cirurgia delicada. Felizmente, conseguiu sobreviver, após ter um rim retirado. Foi um verdadeiro milagre – revelou o pai de Pepê, Danton Carneiro Lopes, em entrevista em 2011. Manoel Danton faleceu em 2018.

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O susto não freou o ímpeto do atleta. Mesmo com apenas um rim, Pepê continuou competindo em alto nível. O que ele não esperava, porém, é que o destino lhe reservara. No dia 4 de abril de 1991, um acidente durante o Mundial de Asa Delta, em Wakayama, no Japão, levou seu bem mais precioso: a vida.

Anos antes, a família já havia pedido para o atleta abandonar as competicões. Segundo relato de amigos, Pepê prometera aos pais e à esposa, Ana Carolina, que aquela seria a sua última competição. Para a infelicidade de fãs e amigos a promessa se realizou. Mas de uma maneira trágica.

Atleta é cumprimentado por fã no Rio - Arquivo pessoal
Atleta é cumprimentado por fã no Rio – Arquivo pessoal

– Recebemos a notítica pelo pai da Carolina, que nos ligou e disse que precisava vir aqui em casa urgentemente. Ele veio aqui com o pai do amigo do Pepê, que havia viajado com ele para o Japão. Quando eles nos deram a notícia, a frente do nosso prédio já estava cheia de fãs – contou Danton.

EMPREENDEDORISMO E LEGADO

Além de multiatleta, Pepê também foi um empreendedor. Com oito anos de idade, ele já era comerciante, produzia e vendia sabonete líquido para a vizinhança em Ipanema. Depois, ele passou a consertar pranchas e, aos 13, já viajava com o próprio dinheiro. Aos 17 anos, quando já morava sozinho, Pepê fundou a sua barraca de lanches ao perceber a necessidade de o carioca ter uma alimentação saudável na praia. Uma de suas criações, o sanduíche natural, até hoje faz sucesso no Rio.

O antigo píer de Ipanema era um dos points prediletos do menino Pepê - Arquivo pessoal
O antigo píer de Ipanema era um dos points prediletos do menino Pepê – Arquivo pessoal

Após a sua morte, o trecho da praia em frente à sua barraca passou a ser chamado de Praia do Pepê, uma extensão da Praia da Barra da Tijuca. A avenida em frente ao local também recebeu o nome do atleta. Pepê também foi dono de um restaurante de comida japonesa no Leblon. Tanto a barraca quanto o restaurante são administrados até hoje pela família do lendário carioca, que foi casado com Ana Carolina Gayoso com quem teve os filhos Bianca e João Pedro.

Em 2011, nos 20 anos da morte de Pepê, foi inauguarada uma placa em homenagem ao campeão mundial de voo livre, próximo à Praia do Pepino, em São Conrado. O local abriga a principal pista de pouso de asa deltas do Rio de Janeiro, um local com as bençãos, com a marca e com parte da alma do eterno campeão.